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Publicado por em out 5, 2020 em Artigos |

Sobre Construção, de Leonardo da Rosa

Por Carla Oliveira, integrante do Júri da Crítica Accirs na Mostra Gaúcha de Curtas – Prêmio Assembleia Legislativa, no 48º Festival de Gramado.

Construção, de Leonardo da Rosa, é o grande vencedor da Mostra Gaúcha de Curtas da 48ª edição do Festival de Gramado, que, neste ano, em decorrência da pandemia por covid-19, foi realizada totalmente em formato on-line. Levou os prêmios de melhor filme, melhor direção e melhor montagem (para André Berzagui e Arthur Amaral), além da menção honrosa do júri da crítica, composto por integrantes da ACCIRS. Construção foi produzido pelo curso de Cinema da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), que vem surpreendendo a cada ano. Na edição do ano passado, a tocante animação Só sei que foi assim, trabalho de conclusão de curso de Giovanna Muzel, também conquistou o grande prêmio. E o segundo filme da UFPel em competição neste ano de 2020, o belo Letícia, Monte Bonito, 04, de Julia Regis, venceu na categoria de melhor edição de som (por Gabriel Portela). Além dos alunos, merece congratulações o corpo docente da universidade pública pelotense, que estimula práticas crítica e cineclubista a seus alunos, que vêm se destacando, sobretudo, por suas criações coletivas.

Leonardo da Rosa, premiado por Construção – Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto

Construção é um documentário sensível, observativo, filmado nas comunidades de Pestano e Getúlio Vargas, situadas na periferia de Pelotas. Em suas cenas iniciais, vemos uma mulher e seus filhos desocupando uma moradia. Empacotam seus brinquedos e pertences, carregam seu mobiliário a um carro de frete. Uma cartela nos informa que “despejada de sua casa, Andréia volta anos depois para a comunidade de Getúlio Vargas com seus filhos Augusto, Gustavo e Bruno.” Mudança anunciada, o movimento em direção à nova comunidade é posto em marcha. O título de Construção surge, então, sobre a bonita imagem de uma parede de madeira que desmorona. Andréia recolhe os destroços. O filme, estruturado em imagens e metáforas de construção e destruição, acompanha o seu esforço na edificação de um novo lar.

Uma das qualidades de Construção que mais se sobressai é a maneira como Leonardo da Rosa nos apresenta a Andréia. As dificuldades dela são muitas: está desempregada, sofreu despejo, tem três filhos para criar e saiu há pouco de um relacionamento abusivo. Leonardo, longe de explorar as dores de sua protagonista, mostra sua força e capacidade de reconstruir sua vida. Andréia é ágil, apesar de ter um problema na coluna, e extremamente competente na execução do trabalho duro da construção da nova casa. É afetuosa e faz amizade com mulheres da vizinhança. Para uma delas, conta sobre a violência do ex-marido e a dificuldade que teve para desconstruir a imagem do pai para seus três filhos homens. Recebe conselhos, apoio, amparo. Com as novas amigas, a vemos sorrir. De forma digna e delicada, a imagem de uma mulher que resiste e supera violências de todo tipo é retratada. E ela diz que segue em frente por seus filhos: os dois mais velhos, já adolescentes, calados e colaborativos com a mãe, e o caçula, ainda criança.

E é justamente a partir da montagem com cenas de Bruno, o filho mais jovem de Andréia, que o documentário adquire um interessante tom de criação e reflexão. O menino adora armas de brinquedo, carrinhos, jogos de celular e brincadeiras de luta com seus amigos. Um dia ele diz à mãe que quer ser policial, para protegê-la. Ela o manda estudar. Fala de dentro de casa, onde conta com a companhia de uma amiga, por quem foi anteriormente questionada, de forma retórica, sobre o que fez a polícia quando Andréia sofria abusos do ex-marido. Ao final, quando mais uma ameaça de violência paira sobre a nova vizinhança de Andréia (a violência está sempre rondando), a polícia volta a ser citada, mas é uma instituição de importância secundária. O grupo de mulheres da comunidade, organizado, afetivo e generoso, troca mensagens de áudio pelo celular, enfrenta em conjunto a violência e protege seus filhos, que vemos abrigados e confortáveis em uma nova dinâmica familiar e social.

Cabe um destaque à direção de fotografia de Gianluca Cozza. São lindos seus enquadramentos, seus jogos de luzes e sombras e seus contrastes entre exteriores e interiores. Baronesa (2017), de Juliana Antunes, é uma inspiração clara e confessa de Leonardo da Rosa, mas Pedro Costa me parece também ser uma referência para essa nova geração de cineastas com excelente formação e repertório que se cria em Pelotas. Estamos atentos e aguardamos com expectativa pelos novos filmes que de lá virão. Construção deixa uma ótima impressão. Merece visibilidade. Será lindo quando pudermos revê-lo nas condições ideais para os amantes do bom cinema: em tela grande.