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Publicado por em mar 23, 2014 em Artigos |

O tempo e o contratempo

contra-o-tempoPor: Adriano de Oliveira Pinto

Contra o Tempo (Source Code, EUA, 2011) é daqueles filmes que começam ganhando o espectador. A sequência de abertura – usando planos gerais e regada pela música incidental de Chris Bacon a lembrar muito a do saudoso John Barry – nos dá um clima de tensão que desemboca na primeira cena pós-créditos iniciais apresentando um passageiro de trem (Jake Gyllenhaal) que desperta confuso em meio a uma viagem a Chicago: não sabendo porque está ali, também enfrenta problemas de identidade.Oito minutos depois, o trem no qual se encontra vem a ser destruído por uma explosão (que saberemos além, é criminosa) a qual atinge também uma outra composição – esta, de carga – na linha férrea ao lado. Aparentemente, não há sobreviventes. Então, o tal passageiro, o militar Colt Stevens, como que acordando de um pesadelo, descobre que está sendo utilizado como cobaia de um projeto de vanguarda chamado de Código-Fonte, pertencente ao Departamento de Defesa do governo americano. Stevens possui um biotipo e mais do que isso, uma mente compatível com um professor de História que morreu no acidente referido, e por isso pode ser teleguiado através de um revolucionário experimento científico ao cérebro daquele durante os oito últimos minutos de vida do sujeito. O objetivo da missão do militar é descobrir o terrorista causador da explosão antes que o mesmo deflagre um novo atentado na maior cidade de Illinois (Chicago não constitui, como muitos acham, a capital desse estado americano; aquela é Springfield). Tal procedimento pode ser repetido o quanto for necessário até que a tarefa seja cumprida a contento por parte da pobre cobaia, numa posição onde o relógio joga duplamente contra ela: não bastasse a pressa demandada pela situação, são apenas oito minutos para cada nova chance de investigação.
Essa premissa básica se mostra mais do que suficiente para chamar a atenção da plateia e se desdobra com eficiência na maior parte do tempo de projeção, não escapando de eventuais derrapadas das quais falaremos mais adiante. Direção (de Duncan Jones, da bela ficção científica Lunar) e montagem (do veterano Paul Hirsch, de Star Wars) trabalham muito bem para que a coisa ande com desenvoltura. O problema de fato está no roteiro de Contra o Tempo, que se mostra anticlimático e, ao permitir uma solução adocicada (e ilógica) ao final da trama, acaba cedendo ao cinema hollywodiano mais convencional – o que se revela um desperdício para uma ideia bacana. Claro, bacana, mas não muito original. Há ecos de Feitiço do Tempo, A Cela, Matrix e Déjà Vu ali, assim como o filme não renega suas origens em fundamentos do suspense hitchcockiano e inspiração na sci-fi dos escritos de Philip K. Dick.

Gyllenhaal segura bem a barra como protagonista, amparado por atrizes coadjuvantes belas e talentosas, como Vera Farmiga com sua cativante expressividade e Michelle Monaghan, “a namoradinha que todos gostariam de ter”, com seu ar cândido e fonte de interesse romântico da trama. Quem destoa do time entrosado é Jeffrey Wright, um ponto fora da reta no papel do cientista coordenador do projeto.

Falando em ciência, as poucas explicações que o filme fornece para o fenômeno que permite ligar as consciências entre a cobaia e o falecido realmente não convencem. Mecânica Quântica? Ok, o entrelaçamento quântico está aí para embasar isso: realidades paralelas (se bem que deixar de invocar a ideia relativística de wormholes para justificar o experimento parece oportunidade desaproveitada). Mas… cálculo parabólico? Hum, duvidamos de que algo que se ensine num curso básico de Geometria Analítica para alunos universitários de Exatas possa dar conta do recado. E por que o roteiro não cita, mesmo que rasamente, redes neurais – uma explanação adequada à fenomenologia em questão? “Halo” de uma lâmpada que se quebrou como analogia à propagação de um campo eletromagnético a partir de uma fonte que se esgotou? Melhor optar pela teoria dos “21 gramas”. Persistência de memória recente em um corpo sem vida cerebral? O roteirista Ben Ripley parece ter misturado de maneira solta conceitos de textos de divulgação científica e exagerado na fantasia, mesmo para uma aventura de sci-fi. A outra alternativa ao problema seria reduzir ao máximo justificativas científicas e esconder esclarecimentos à luz da razão, como fez o longa A Origem – embora, para alguns, isso igualmente não satisfaça.

Ainda bem que Ripley teve o dom de sintetizar com rara competência a paranoia americana pós-11 de setembro a respeito do terrorismo. Junte-se isso à capacidade de entreter e descontem-se os pontos fracos, o saldo do filme se mostra positivo em meio à uma época de carestia nos gêneros ficção e ação. Mas Contra o Tempo poderia ser bem mais… Ah, isso poderia. Com menos concessões ao comercialismo, o resultado seria outro, pois o potencial estava lá, tinindo. O cavalo passou encilhado, como dizem os gaúchos.