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Publicado por em mar 25, 2014 em Artigos, Em destaque |

O Novo Cinema Novo

9por Hiron Goidanich

“Chorei”, contou um amigo, ao falar do documentário “Uma Noite em 67” (2010). Ele também já passou dos setenta anos. Entretanto, o trabalho de Renato Terra e Ricardo Calil não atinge só os velhos, que foram testemunhas vivas daquela data. Muitos jovens que nem eram nascidos em 1967 também se comoveram com essa lembrança dos festivais de música brasileira, criados pela TV Record. Mas bota tempo nisto. Um tempo em que não existiam – pelo menos com a força que tem hoje – as igrejas pentecostais e seus “homens de fé”. Ou melhor, os tesoureiros de um dízimo destinado a Cristo. E ainda não estávamos vivendo a era plena dos vídeos. Tudo era filmado ao vivo, muito em câmeras de 16mm, que permitiam uma mobilidade total dos operadores.

A gente era transportado do palco e da platéia até os bastidores, numa intromissão verdadeiramente documental. Tudo com boas imagens, criando um contraste com os personagens nos dias de hoje. Edu Lobo. Chico Buarque. Caetano Veloso. Gilberto Gil. Sérgio Ricardo. Os Mutantes, com Rita Lee ainda adolescente. E até Roberto Carlos. Todos com boas lembranças, mas incapazes de explicarem o sucesso daquela noite. As músicas eram criativas, entusiasmantes, fáceis de gravar e cantar.

Estávamos vivendo os dias da Ditadura Militar, que se preparava para impor o Ato Institucional nº 5. A Censura endureceria ainda mais contra o cinema, o teatro, a música popular. E os jornais, os livros, as reuniões de mais de duas pessoas. Muita gente se mandaria para a Europa – o Caetano, o Gil, o Chico – em busca de um território mais livre para criar. Ou um pouco mais inteligente que o “Eu Te Amo, Meu Brasil, Eu Te Amo”. Mas o que ficaram por aqui, aguentando a Ditadura, lembram de tudo. Aquela noite de 1967, antes de mais nada, libertária. Por algumas horas cantávamos, aplaudíamos, sentíamos que algo permanente ficaria. Poderiam até cortar alguns versos, proibirem algumas músicas, mas elas já estavam morando em nós. Por isto, a emoção.

A força do cinema documentário brasileiro, que está tirando do esquecimento pessoas, imagens, fatos dos anos de fogo. Antes tínhamos visto “Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei” (2008), de Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal. “Caro Francis” (2009), de Nelson Hoineff. “Só Dez Por Cento É Mentira” (2008), de Pedro César, sobre o poeta Manuel de Barros. Cinema de emoção, de puro prazer, cinema de (e da) verdade. O “cinema novo”, que vínhamos procurando desde o tempo da retomada. E que curiosamente, aqui no Sul, encontrou seu caminho no documentário “O Morro do Céu” (2009), de Gustavo Spolidoro. De certa maneira, e com uma criatividade estupenda, ele se tornou o nosso Eduardo Coutinho.