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Publicado por em set 3, 2018 em Críticas, Festival de Gramado |

Sem moradia e sem esperança

por Mônica Kanitz, presidente do Júri da Crítica da Mostra Gaúcha de Curtas-metragens do 46º Festival de Cinema de Gramado, especial para o site da ACCIRS

Sem Abrigo, de Leonardo Remor, foi o título escolhido pelo júri da ACCIRS para receber o prêmio da crítica na mostra de curtas-metragens gaúchos do Festival de Cinema de Gramado de 2018. Entre os elementos que justificaram a escolha estão uma combinação caprichada de movimentos de câmera com os silêncios pertinentes da personagem protagonista, vivida com muita sensibilidade pela atriz Rejane Arruda – que ganhou, merecidamente, o prêmio de melhor atriz da mostra. O filme ainda foi vencedor dos troféus de montagem e fotografia, respaldando a escolha do júri da crítica.

Leonardo Remor, que também é pesquisador nas linguagens de mídia e artista visual, propõe um olhar atento e humanizado sobre uma figura cada dia mais presente nas grandes cidades: o morador de rua. Nas primeiras cenas de Sem Abrigo, Valéria lembra uma mulher comum, circulando apressada pelas ruas do centro de Porto Alegre em um dia de inverno. Depois de uma entrevista de emprego frustrada, ficamos sabendo que sua “casa” fica à beira do lago Guaíba, onde ela dorme sob às árvores, aquecida por uma fogueira e cobertores velhos.

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Nada se sabe sobre Valéria: de onde veio, por que está ali ou o que busca. O que importa para o realizador é mostrar seus sentimentos e seu cotidiano, ambos sofridos. Como recurso principal, a direção usa enquadramentos que estão na maior parte do tempo colados no rosto da protagonista ou oferecendo seu ponto de vista. O olhar de Valéria é sempre triste, suas expressões beiram a amargura e a arquitetura fria da cidade reforça sua solidão. Há alguns momentos de escape, como a orla ao pôr-do-sol, a música do acordeonista de rua e as brincadeiras das crianças no parque – um dos poucos momentos em que a personagem esboça um sorriso e o filme ganha cores mais vivas.

Em vinte minutos de projeção, Remor oferece ao público um filme de caráter documental, sem fazer qualquer concessão que lembre a ficção. Filmado há cinco anos, Sem Abrigo já toca em questões bem atuais como o abuso, a estrutura frágil das moradias oferecidas pelo poder público e vida ainda mais difícil das ruas. Por mais que a personagem tente, a cidade grande intimida e a falta de referências a fazem uma estranha e uma excluída deste ambiente. Sempre há, claro, a possibilidade de um recomeço – e a cena da rodovia aponta para isso, apesar dos carros que passam em alta velocidade e da angústia de não saber aonde esta estrada vai terminar.