Páginas
Seções

Publicado por em set 2, 2019 em Artigos |

Linchamentos virtuais e reais na pauta de “O Homem Cordial”

Por Adriana Androvandi

O diretor Iberê Carvalho (DF) retornou ao Festival de Cinema de Gramado com o drama O Homem Cordial, que saiu da edição 2019 com dois kikitos: Melhor Ator para Paulo Miklos e Melhor Trilha Sonora assinada por Sascha Kratzer. Iberê já havia participado do Festival de Gramado em 2015 com O Último Cine Drive-In, de onde saiu com quatro estatuetas: Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Direção de Arte e ainda o prêmio do Júri da Crítica.

A exibição de O Homem Cordial abriu a mostra competitiva de longas-metragens brasileiros, na primeira noite do evento. Este drama é protagonizado por Paulo Miklos como um músico veterano, Aurélio Sá. A sinopse acompanha este músico, que certo dia tenta defender um jovem afrodescendente que é acusado de ladrão e começa a ser alvo de agressões em uma rua, apesar da falta de provas. O episódio é gravado em vídeo por transeuntes que presenciaram o fato. Mas o garoto, assustado, foge correndo e sai do campo de visão do músico. O rapaz é perseguido por um outro homem. Horas depois circula a notícia de que o homem que o perseguiu era policial e foi assassinado. E o garoto desaparece.

A notícia vem a público na noite de retorno aos palcos da famosa banda de rock dos anos 80 de Aurélio, que passa a ser xingado e vaiado no palco e também fora dele. Pessoas o acusam de ser o responsável pela morte do policial. Neste sentido, esta produção traz uma questão premente da atualidade: o linchamento virtual de pessoas, mesmo sem provas, ou ainda em situações dúbias, que deveriam exigir ao menos o benefício da dúvida aos envolvidos. O longa-metragem se torna um retrato deste fenômeno dos “haters” na Internet. E o que é mais preocupante é que essa agressividade pula rapidamente das redes sociais para lugares públicos, com os envolvidos sendo alvo de ameaças presenciais. Este registro é visto na cena  em que a banda está em um restaurante após o show e na sequência seguinte, em que vão para rua e ficam sendo provocados e gravados em vídeo por um grupo de homens.

O clima de tensão vai aumentado, embalado na forma de um thriller, com alguns enquadramentos nervosos.  Em certo momento, o músico é procurado por pessoas ligadas ao garoto desaparecido. Apesar de hesitar, ele resolve ajudar na busca a pedido de uma jornalista negra, Helena (Dandara de Morais), que o leva à família do menino. Isso o faz visitar um velho companheiro de banda, dono de um bar num bairro de periferia, Béstia (interpretado pelo músico Thaíde), para tentar obter informações. O roteiro vai revelando, aos poucos, para o espectador o que aconteceu com o garoto, ainda que os demais personagens  precisem de muito esforço para encontrar qualquer pista. No drama, tem início uma longa e violenta noite, que fará o músico e seus companheiros passarem por situações revoltantes.  Neste ponto, a produção levanta outra crítica social, revelando o abismo em que vive um homem branco de classe média em relação a negros moradores de periferias, em temas como a intolerância, o racismo e o abuso de poder policial. Esta produção traz um roteiro denso e bem costurado, interpretado com atuações convincentes, que contam ainda com os atores Bruno Torres, Thalles Cabral, Roberta Estrela D’Alva e Murilo Grossi. Sua temática vale como alerta e reflexão.