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Publicado por em ago 26, 2023 em Artigos, Críticas |

51º Festival de Gramado: Mulheres no Protagonismo

“Tia Virginia”, do diretor Fábio Meira e produzido pela Kinossaurus. Atrizes Louise Cardoso, Vera Holtz e Arlete Salles.

Se há algo que se pode resumir da 51ª edição Festival de Cinema de Gramado foi o destaque para mulheres que trabalham à frente ou atrás das câmeras. Foram homenageadas as atrizes Léa Garcia com o Troféu Oscarito (ela morreu de infarto no dia 15 de agosto, dia em que receberia a distinção, e o filho Marcelo Garcia recebeu o troféu pela mãe) e também Laura Cardoso, que recebeu a homenagem na sexta-feira, dia 18. A atriz Ingrid Guimarães recebeu o Troféu Cidade de Gramado na quinta-feira, dia 17, celebrando que uma comediante tenha sido lembrada por um festival. Na sexta, a produtora Lucy Barreto foi laureada com o Troféu Eduardo Abelin e Alice Braga recebeu o Kikito de Cristal.

Além desta força e empoderamento feminino nas homenagens em Gramado, os filmes exibidos também apresentaram protagonistas femininas fortes. O destaque ficou para Vera Holtz pela interpretação em “Tia Virginia”, que levou o prêmio de Melhor Atriz.

Dentro da mostra competitiva de longas-brasileiros, o filme “Tia Virgínia” foi aclamado na sua sessão, num domingo à noite, no Palácio dos Festivais. Por três vezes recebeu aplausos em cena aberta, o que é raro em Gramado. Levou cinco troféus: Melhor Roteiro, Melhor Atriz para Vera Holtz, Melhor Direção de Arte, Desenho de Som e Júri da Crítica. O diretor, Fábio Meira, disse que se inspirou em suas tias para escrever a história.

A narrativa filme acompanha o encontro de três irmãs e mais alguns familiares para um Natal. Uma delas, Virgínia (Vera Holtz), nunca se casou e foi convencida pelas outras no passado a cuidar da mãe acamada. As irmãs são interpretadas por Louise Cardoso e Arlete Salles. O grande elenco ainda conta com Antonio Pitanga como cunhado e Daniela Fontan como uma sobrinha.

No debate que ocorre no dia seguinte à exibição, a equipe e elenco do longa participaram de um debate com a sala repleta de jornalistas e críticos, onde Luiz Carlos Merten, do Estadão, resumiu a sessão: “e chegou o furacão”, elogiando a atuação de Vera Holtz e sendo aplaudido pelos presentes.

Fábio Meira revelou no encontro: “Eu queria fazer um filme sobre um Natal na minha família”. Ele contou que este filme estava há muito tempo dentro de seus projetos. “Acabei fazendo o filme ‘Duas Irenes’ primeiro. Agora chega o filme sobre minhas tias”. E complementou: “O filme ‘Duas Irenes’ é sobre uma história que eu ouvi contada pela minha família. Este é sobre a minha família”, diz Fábio.

A mãe é vivida pela atriz Vera Valdez, que atuou no passado no Teatro de Oficina. Cabe a ela o papel da matriarca, que não se comunica mais e precisa de cuidados específicos para idosos que não caminham. “Ela parece frágil, mas não é”, explicou a produtora Janaína Guerra sobre a interpretação da atriz, que lhe valeu uma Menção Honrosa do júri oficial na premiação. Janaína, que assina a produção ao lado do diretor, conheceu Fábio porque ele foi aluno de seu pai (Ruy Guerra) e depois começaram a trabalhar juntos.

A beleza do filme é resultado de um trabalho conjunto. Ambientado dentro da casa materna da família, este filme de baixo orçamento conseguiu, com direção de fotografia de Leonardo Feliciado (de “Marte Um”), contar com uma luz lúgubre e claustrofóbica, mostrando a casa quase como prisão. A direção de arte, assinada por Ana Mara Abreu (que levou o Kikito), teve vários objetos da casa do diretor em cena, incluindo o grande relógio de pêndulo que aparece na cena inicial do longa.

Na narrativa, o clima de tensão se instaura na casa, devido a ressentimentos passados entre seus membros. Mas há cenas com humor que fazem a atmosfera ficar um pouco mais leve em certos momentos. “A minha família ri muito. Mas a vida também é patética. A gente faz coisas ridículas, nem sempre a gente é chique e moderno”, opina o diretor.

As duas irmãs de Virgínia são interpretadas por Arlete Salles e Louise Cardoso. Conforme a equipe contou em Gramado, Arlete Salles é uma artista muito exuberante e cômica e para “encaixá-la” naquele ambiente o diretor pediu que fizesse uma atuação mais contida, mas que não tirou seu brilho. Louise igualmente está ótima em cena. Um dos trunfos do filme é, certamente, a direção de atores que Meira mostra ser, cada vez mais, um mestre em conduzir. Para isso, ele se diz um assíduo frequentador de peças de teatro, que enriquecem a sua bagagem artística.

Sobre sua atuação, Vera Holtz disse que o método utilizado pelo diretor para chegar ao tom desejado nos diálogos entre as irmãs foi a repetição. “O processo contou com muita repetição, ensaios até chegar no ponto em que o diretor queria”, contou. O Júri da Crítica se mostrou preciso em sua decisão, concedendo a este longa o prêmio desta edição do Festival. É um filme que marca, desde já, a cinematografia brasileira.

Texto de Adriana Androvandi
Crítica de cinema do Correio do Povo associada à ACCIRS