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Publicado por em mar 24, 2014 em Artigos |

Sobre a morte do poeta da incomunicabilidade (sobre Michelangelo Antonioni)

por Adriano de Oliveira Pinto

8Duplo golpe do destino certa vez atingiu o cinema. Não bastasse o luto pela perda do grande cineasta existencialista Ingmar Bergman, no mesmo dia, 30 de julho de 2007, foi registrado o óbito do genial Michelangelo Antonioni, o poeta da incomunicabilidade.

Antonioni era economista de formação universitária, porém começou a se interessar por cinema a ponto de ingressar no Centro de Cinematografia Experimental da Cineccitá em Roma, onde estabeleceu contato com realizadores neo-realistas, o que influenciou seus primeiros trabalhos, como o curta Gente do Pó (1943). Embora se declarasse um marxista, não tardou a rodar filmes com histórias de temas mais identificados aos valores burgueses como As Amigas (1955), em um reflexo de suas abastadas origens. Um retorno ao neo-realismo se daria com O Grito (1957), com esplêndida atuação de Steve Cochran.

Sua grande fase irrompe no final dos anos 1950, abrindo a “trilogia da incomunicabilidade” com A Aventura (1960). Aqui se inaugura um estilo peculiar do diretor, começando pela sua capacidade de reverter expectativas: aquilo que parece ser um suspense se transforma numa análise dura do comportamento humano. É o que ocorre quando, na trama, uma jovem aristocrata desaparece em um passeio a uma ilha remota, e dois de seus amigos que a procuram (Monica Vitti e Gabriele Ferzetti) acabam se apaixonando – e se desentendendo, também – em meio a esse processo, no qual a figura desaparecida acaba caindo no esquecimento geral, efeito da fugacidade e das necessidades emocionais mais imediatistas e escapistas do ser humano e também um flerte com o niilismo.

No exemplar seguinte, A Noite (1961), com Marcello Mastroianni, Monica Vitti e Jeanne Moreau, um casal em crise é o reflexo de uma burguesia sem rumos existenciais e dotada de um hedonismo corrosivo.

A trilogia, cuja essencial característica foi ecoar a falta de entendimento nas relações homem-mulher usando como instrumentos simbólicos, entre outros, os longos planos e o silêncio – fazendo valer o que uma torrente de palavras não poderia descrever –, se encerra com O Eclipse, de 1963. O materialismo que separa os personagens de Vitti (a musa do diretor) e Alain Delon faz coro às duas obras anteriores. Grande arremate: os minutos finais dessa projeção são de um silêncio tão eloqüente quanto perturbador.

Para alguns, seu filme pós-trilogia, Deserto Vermelho (1964), com Richard Harris, é um apêndice da tríade que o precedeu; para outros, um estudo existencial amparado pelo uso da cor.

Blow-Up – Depois Daquele Beijo (1966), rodado a seguir, deu origem a teses sobre os temas da percepção e da realidade. Brilha um jovem David Hemmings nesse filme sublime, cuja notável cena final surge como um caprichado resumo simbólico da idéia desenvolvida ao longo da projeção.

Depois do fracasso de Zabriskie Point (1970) e sua temática da contracultura, Antonioni retorna ao aplauso da crítica e inclusive recebe uma certa simpatia do público, a despeito de sua onipresente complexidade artística, com O Passageiro – Profissão Repórter (1975), estrelando Jack Nicholson e apresentando um dos mais belos planos-seqüência da história do Cinema.

Os trabalhos dos anos 80, O Mistério de Oberwald (1981), baseado no romance A Águia de Duas Cabeças, de Cocteau, e Identificação de uma Mulher (1982), embora tidos por belos exercícios de estilo em cinema, não mais impressionaram a maioria dos críticos e, para muitos, a fase descendente de Antonioni estava tendo seu início. O derrame sofrido em 1985 interrompe alguns movimentos do diretor e prejudica seriamente sua capacidade de falar. Daí por diante, ele praticamente desaparece das atividades cinematográficas, surgindo de modo efetivo apenas em mais duas oportunidades. Uma delas ocorre quando, amparado por seu amigo, o cineasta alemão Wim Wenders, realiza o insatisfatório Além das Nuvens (1995).

A aparição derradeira do mestre atrás das câmeras se dá com o curta Il Filo Pericoloso delle Cose, integrante do filme Eros (2004), do qual também constituem episódios dirigidos por Steven Soderbergh e Wong Kar Wai. Os modistas insistem em apontar o segmento do “queridinho” da atualidade Kar-Wai como o melhor da trinca. Porém, o curta de Antonioni, além de ser o que melhor coaduna com a proposta do longa em questão, se mostra o mais interessante e também representa uma maravilhosa síntese da obra completa de seu autor, uma pequena enciclopédia do grande cineasta.

Com o passamento do gênio, seus grandes silêncios cênicos (marca registrada do diretor) deram lugar ao insondável silêncio do infinito, este unicamente rompido pelo grito da imortalidade, que aos mestres ecoa.

Filmografia do diretor (longas-metragens):
A Gente do Pó (Gente del Pó), 1943.
Limpeza Urbana (Nettezza Urbana), 1948.
Oltre L’Oblio, 1948
Roma – Montevidéu, 1948
L’Amorosa Menzogna, 1949
Sette Cani e um Vestito, 1949
Bomarzo, 1949
Ragazze in Bianco, 1949
Supertizione, 1949
A Casa dos Monstros (La Villa dei Mostri), 1950
Crimes da Alma (Cronaca di um Amore), 1950
La Funivia del Faloria, 1950
I Vinti, 1952
La Signora Senza Camelie, 1953
O Amor que se Paga (Amore in Citta) – episódio Tentativa de Suicídio (Tentato Suicidio), 1953
As Amigas (Le Amiche), 1955
O Grito (Il Grido), 1957
A Aventura (L’Avventura), 1960
A Noite (La Notte), 1961
O Eclipse (L’Eclisse), 1962
O Deserto Vermelho (Il Deserto Rosso), 1964
I Ter Volti – episódio Prefazione, 1965
Blow Up, Depois Daquele Beijo (Blow Up), 1966
Zabriskie Point, 1970
Chung Kuo, 1972
O Passageiro: Profissão Repórter (The Passanger), 1975
O Mistório de Oberwald (Il Mistério di Oberwald), 1980
Identificação de uma Mulher (Identificazione di una Donna), 1982
Volcanoes and Carnival, 1992
Além das Nuvens (Par Dela Les Nuages), 1995
Eros – episódio Il Filo Pericoloso delle Cose, 2004