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Publicado por em abr 10, 2018 em Artigos |

Lembranças e impressões de um diretor de programação

Por André Kleinert, depoimento relativo os 70 anos do Clube de Cinema de Porto Alegre, em 13 de abril de 2018, especial para o site da Accirs.

Entrei para o quadro de associados do Clube de Cinema de Porto Alegre em janeiro de 2004. Até então, a ideia que eu tinha da entidade era de uma organização fechada, até algo meio secreto, tipo a maçonaria ou a Opus Dei, destinada a ter em suas fileiras apenas alguns privilegiados cinéfilos dotados de um conhecimento muito aprofundado sobre a sétima arte. Exageros e brincadeiras à parte, apesar de ser provável que desavisados possam ter realmente tal impressão, o Clube de Cinema é bem mais democrático e interessante do que isso. Da sua fundação em 1948 até os dias de hoje, a pluralidade de interesses e concepções sempre foi uma característica fundamental na entidade. Abrigava (e abriga) pessoas que estão lá apenas para assistir a filmes em condições privilegiadas (sem o barulho de conversas paralelas e pipocas sendo mastigadas), passando por diletantes em procura de um contato maior com a comunidade de apreciadores de cinema da cidade e chegando até mesmo a críticos e profissionais da área. Plural também porque entre os seus associados se pode encontrar diversas facetas da nossa sociedade nos espectros ideológicos, sociais e etários. Nesse sentido, para quem quiser saber mais detalhes sobre quem passou pelo Clube e pelas situações mais marcantes que se sucederam lá, recomendo o ótimo livro Quando éramos jovens – História do Clube de Cinema de Porto Alegre, da jornalista e pesquisadora Fatimarlei Lunardelli.

Da minha experiência própria, posso dizer que minha relação foi intensa com o Clube de Cinema. Nos meus primeiros anos como associado, o diretor de programação era Hiron Cardoso Goidanich, o Goida, um dos decanos da crítica cinematográfica e do jornalismo cultural no Rio Grande do Sul, generoso e muito curioso a ponto de ouvir e aceitar ideias e opiniões de todos os associados na seleção de filmes para exibição na entidade e mesmo para alguns miniciclos e eventos. Nunca vou esquecer, por exemplo, quando foi realizada uma pequena mostra de filmes sobre gangues onde exibimos no Santander Cultural os clássicos cults  Quadrophenia e Warriors – Os guerreiros da noite! Ainda nesse sentido, vale lembrar que foi dentro do Clube de Cinema que nasceu o Fantaspoa, festival dedicado a exibição de filmes no gênero fantástico (horror, ficção científica e fantasia), já bastante consolidado hoje em dia no cenário cultural porto-alegrense, mas que até então era uma iniciativa inédita na cidade. Aliás, a própria origem do Fantaspoa era um reflexo da aludida pluralidade existencial do Clube de Cinema, pois assim como era defendido por uma parcela entusiasmada dos associados, também era combatido de maneira veemente por uma ala mais tradicional.

Em 2007, assumi a direção de programação do Clube de Cinema e minha experiência se tornou ainda mais enriquecedora, pois realizar esse tipo de função não se limita apenas a selecionar um filme de acordo com o seu gosto pessoal. Em primeiro lugar, é importante considerar que aquilo que vai ser exibido tenha algum tipo de relevância dentro de um conjunto que se considera tanto o mencionado gosto pessoal quanto a importância dentro de um contexto sócio-político-cultura e também o interesse de todo um quadro de associados. Talvez esse conceito possa parecer anacrônico, em tempos de Netflix ou filmes a granel disponíveis no acervo quase infinito da internet, mas sempre foi o meu norte como programador. É claro que quase nunca se atingiu uma unanimidade nessa concepção de programação, mas ver filmes dos quais não se gosta também faz parte do processo de se apreciar cinema assim como um certo atrito nas visões diversas sobre uma mesma obra é que provoca também uma reflexão mais aprofundada sobre o cinema como atividade cultural-artística. Além disso, minha atividade como programador me propiciou um certo conhecimento sobre os meandros comerciais e administrativos do que representa o circuito de exibição de filmes na cidade e também da própria atividade de realizar filmes no Rio Grande do Sul. Nesse último aspecto, presenciei no Clube de Cinema várias sessões de produções gaúchas em que se contou com profissionais debatendo com os associados após a exibição de longas e curtas.

É claro que um pequeno texto como esse não é capaz de concentrar todas as experiências e histórias que me marcaram em minha passagem no Clube de Cinema. Mas acho que consegue dar uma ideia da sua importância não só para minha vivência pessoal como para o cenário cultural de Porto Alegre. Cada associado, tanto do presente quanto do passado, pode ter a sua própria história de relacionamento com o Clube, e talvez esteja aí a efetiva grandeza dessa entidade em seus 70 anos de existência – o de propiciar para um apreciador de cinema, seja  qual grau de interesse que ele tenha, as diferentes possibilidades de encarar a sua paixão: entretenimento, reflexão, ação – ou tudo isso junto!.