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Publicado por em mar 7, 2018 em Destaque |

As mulheres e a crítica de cinema

Por Bianca Zasso, jornalista de Santa Maria e integrante do Elviras Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema, especial para o site da Accirs.

A biografia da maioria dos críticos de cinema não costuma variar muito. A grande maioria descobriu cedo a paixão pelo cinema e, ou por acaso ou por persistência, fez da análise de filmes a razão de seu trabalho. Outra semelhança é que o nascimento da cinefilia em suas vidas veio acompanhado da admiração por um crítico. Todos temos nossos mestres, com a crítica de cinema não seria diferente. Em tempos como os que vivemos, em que questões relativas à representatividade são um assunto debatido nos mais variados lugares e com as mais diferentes intensidades, fico me perguntando como foi o início da trajetória de Elvira Gama. Aos desavisados, Elvira Gama foi a primeira mulher a dedicar-se a escrever sobre imagens em movimento e que, entre 1894 e 1895, assinou uma coluna chamada Kinetoscópio no Jornal do Brasil.

Não deve ter sido nada fácil aventurar-se num ambiente tão masculino como era (e ainda é) uma redação de jornal e ainda dedicar-se a um tema que ainda era uma incógnita. Afinal, não se sabia naqueles primeiros anos se o aparelho dedicado a registrar imagens em movimento seria um avanço para a ciência ou uma forma de arte. O cinematógrafo era uma atração que exerceu uma força magnética em homens e mulheres, que logo passaram a escrever seus questionamentos e opiniões sobre o invento. Enquanto os protótipos de críticos de cinema costumam integrar os livros dedicados a história da Sétima Arte, o nome de Elvira Gama ainda aparece de maneira tímida em textos e pesquisas, como na tese Luz e sombra no écran: realidade, cinema e rua nas crônicas cariocas de 1894 a 1922, de autoria de Danielle Crepaldi Carvalho, e no nome de um coletivo formado por mulheres que pensam e escrevem sobre audiovisual, o Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema, apresentado oficialmente ao mundo no Mostra de Cinema de Tiradentes de 2017, durante o debate Mulheres na Crítica: Cenário Brasileiro, que contou com a presença de três integrantes do coletivo, as críticas Flavia Guerra, Ivonete Pinto e Camila Vieira.

Elviras na Mostra de Cinema de Tiradentes

Elviras na Mostra de Cinema de Tiradentes

E cá estamos nós, netas de Elvira Gama, homenageando-a com um coletivo. Mas por que esta união? A resposta é simples e um tanto triste: porque ainda causa surpresa em alguns o fato de existirem mulheres que escrevem sobre cinema. Nos primeiros meses de existência do Elviras, eram comum os olhares de surpresa quando divulgado que haviam integrantes do Pará, de Manaus e até do Rio Grande do Sul, um estado conhecido por sua paixão pelo cinema. Mas isso não reflete um boom de críticas no Brasil, mas a divulgação de caminhadas que começaram há muito tempo. Muitos nos enxergaram pela primeira vez, por mais que nossos escritos já estivessem por aí, à mostra para os olhares do mundo.

Com a proximidade do Dia Internacional da Mulher, é comum que as agendas das críticas fiquem lotadas. Neste mês que a mídia insiste em pintar de cor de rosa e dedicar-se a exibição de filmes protagonizados por mulheres, muitos são os chamados que recebemos, quase sempre acompanhados do pedido para que ofereçamos o nosso “olhar feminino” sobre as produções. Aí está um termo que incomoda muitas mulheres, inclusive esta que vos escreve. O fato de sermos do mesmo gênero implica que tenhamos a mesma opinião, a mesma visão sobre relações e acontecimentos? Por que não cobram dos críticos homens o olhar masculino sobre obras dirigidas ou protagonizadas por mulheres? Talvez porque o masculino seja o padrão. Ser mulher é a exceção. E é também um peso que nos dá a “autoridade” de entender melhor as personagens femininas. Mas, saibam, nossos textos estão aí para provar que não falamos apenas de mulheres. Somos críticas. Escrevemos, falamos, comentamos, pesquisamos e amamos, acima de tudo, o cinema. Somos capacitadas para nos debruçarmos sobre qualquer filme, qualquer personagem, qualquer temática. E queremos ser lembradas não apenas no dia 8 de março, mas todos os dias, em todas as estreias, em todas as mostras, em todos os festivais.

O Elviras não defende apenas as críticas, mas as diretoras e as atrizes, chamando a atenção para seus trabalhos para além da simples inclusão de uma mulher entre os concorrentes à um prêmio. Queremos que o cinema feito por mulheres seja visto com a mesma atenção que o feito por homens e que elas possam estar na pauta do dia não por serem as primeiras mulheres em algum cargo ou premiação, mas por traçarem um novo caminho, um novo olhar sobre o cotidiano. Sabemos que o cinema ainda é um ambiente bastante masculino, assim como a crítica, mas estamos desde os primórdios batalhando por nosso espaço dentro dele, por mais que os muros sejam altos e fortemente construídos. Afinal, as mulheres críticas são como a Sétima Arte: nasceram para transcender. Dentro e fora das salas de exibição.