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Publicado por em fev 28, 2020 em Artigos |

Parasita – Sobre porões, subsolos e escadarias

Por Jaqueline Chala
adaptado a partir do roteiro do programa Na Trilha da Tela que vai ao ar aos sábados, 18h, pela FM CULTURA.

Desde que surgiu nos cinemas, Parasita deixou claro que era um dos grandes, senão o grande filme do ano de 2019. Um ano que teve o tema da desigualdade social em destaque através de outras ótimas produções, como Coringa, Os Miseráveis e também o brasileiro Bacurau. O que diferencia Parasita dos demais, porém, é a facilidade com que Bong Joon-ho transita por vários gêneros, da comédia ao terror, sem perder o ritmo da narrativa sequer por um instante. Repleto de camadas e de simbolismos, Parasita é um filme que parece “atravessar” os demais por sua construção e conexão com a realidade em várias partes do mundo. Não por acaso, recentemente a BBC fez uma excelente reportagem sobre os porões reais habitados pela população pobre de Seul, os Banjihas.

         Parasita traz na arquitetura dos porões os símbolos da opressão de uma classe social que se espreme em lugares úmidos e insalubres, tal qual Raskólnikov fazia em Crime e Castigo, obra literária com a qual, aliás, o longa coreano parece ter conexão direta. Não por acaso, o filme registra a adoração dos Kim pela luz solar e seu espanto ao ver pela primeira vez o belo jardim dos Park. A ligação entre explorados e exploradores e os múltiplos sentimentos que afloram desta relação estão expostos de maneira exemplar em Parasita. O que vemos no filme de Bong Joon-ho é o substantivo de seu título se transformar em verbo aplicável as três famílias que surgem na narrativa. Num primeiro olhar as famílias dos porões ( tanto as visíveis quanto as invisíveis) parecem ser a quem se dirige o título. Mas é justamente no clímax da narrativa, quando o conflito emerge à superfície, que os verdadeiros parasitas se revelam no uso que fazem do corpo daqueles que consideram o “outro”, aqueles de quem se diferenciam. Nesse sentido, outro filme desprezado pelo Oscar tem muito a dizer sobre o assunto: Nós, de Jordan Peele, longa no qual este “outro”, também escondido num subsolo, se torna símbolo de medo e terror apesar de ser a nossa imagem e semelhança.

          Em Parasita é extremamente simbólico também que, a parte os disfarces em roupas e maneiras estudadas, a família Kim seja traída justamente por algo que não conseguem esconder: o cheiro de “pano velho molhado”. As relações entre classes ficam explícitas justamente na seqüência na qual todos os Kim se escondem sob uma mesa enquanto o casal Park se excita com este cheiro.

Outra seqüência magistral é aquela da festa no jardim, na qual o jovem Ki-Woo se espanta com a naturalidade daquelas pessoas no ambiente e se questiona se ele também poderia pertencer aquele quadro. Mas, sem dúvida, o momento obra- prima de Parastia é o que mostra o retorno para casa dos Kim sob uma intensa chuva. A descida de escadas que parece não acabar, depois de atravessar praticamente toda a cidade, é como um mergulho no último círculo do inferno. Mergulho que não deixa dúvidas de seu simbolismo quando eles se deparam com o porão inundado e o vaso sanitário jorrando excrementos. É impossível não lembrar nesta descida de outra igualmente simbólica: a do Coringa na famosa cena da escadaria do Bronx.           

Finalmente, Parasita ainda acrescenta a seu final uma chave melancólica, opondo sonho e realidade ao abordar a possibilidade de ascensão social para pessoas como os Kim. Simplesmente estupendo!