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Publicado por em fev 2, 2019 em Artigos |

A melancolia de Yoñlu

Por Jaqueline Chala, crítica radiofônica transmitida no programa Na Trilha da Tela, da Rádio FM Cultura, 107.7, de Porto Alegre

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Yoñlu por Thalles Cabral

Yoñlu foi um dos grandes lançamentos do cinema gaúcho em 2018. A cinebiografia deste jovem, que terminou tragicamente com a própria vida em 2006, num episódio envolvendo os fóruns anônimos da internet, é uma narrativa que procura não apenas resgatar a obra artística de seu biografado, mas também dar a compreensão de sua personalidade. Através de vários artifícios de encenação e de filmagem,Yoñlu é eficiente ao nos transportar ao mundo de seu personagem.

Yoñlu foi o pseudônimo artístico assumido por Vinícius Gageiro Marques, garoto precoce nascido em Paris, filho de pais intelectuais que estudavam na França. Proficiente em várias línguas, como inglês, francês e galês, Vinícius aprendeu música cedo e conviveu desde pequeno com a literatura e as artes. Aqui no Brasil, ele mantinha um estúdio em casa, onde gravava suas músicas e fazia seus desenhos. É neste universo particular que a trama de Yoñlu se desenrola na maior parte do tempo. Além do quarto do personagem, o filme também traz sequências poético/metafóricas que o apresentam com uma roupa de astronauta vagando por um campo deserto, símbolo de seu deslocamento neste mundo. Traz ainda algumas cenas em que Yoñlu contracena numa sala de aula vazia, clara representação de seu isolamento neste mundo. As sequências em que ele interage no fórum da internet são as mais pesadas, com personagens anônimos num fundo esverdeado, escondidos por máscaras medonhas de avatares. O filme tem seu segmento mais vinculado ao real nos diálogos entre uma repórter, vivida por Mirna Spritzer, e o terapeuta de Yoñlu, interpretado por Nelson Diniz.

Yoñlu traz ainda muitas sequências de animações feitas com os desenhos deixados por Vinícius. Além disso, seu trabalho como fotógrafo e fã da lomografia são retratados em sequências externas pelas ruas de uma Porto Alegre que ele traduzia em imagens poéticas mas também profundamente melancólicas. A imersão na obra deixada por Yoñlu tem o claro propósito de aproximar o público da maneira como o personagem enxergava o mundo. O resultado é um cenário impregnado dos sentimentos de melancolia, distanciamento e inconformidade com as incoerências cotidianas. É sintomático disso até seu discurso contra a maneira torta com que as distribuidoras brasileiras titulam os filmes estrangeiros no país.

Inventivo, talentoso e extremamente erudito para seus 16 anos, Yoñlu, segundo o depoimento de seu terapeuta no filme, foi vítima de uma consciência aguda demais do mundo para sua pouca idade. Yoñlu não teria instrumentos para lidar com uma sociedade desigual e opressora, incapaz de acolher seus membros mais sensíveis. É também interessante como o filme quase apaga a presença dos pais de Yoñlu, interpretados por Leonardo Machado e Liane Venturela. De fato, o que vemos são personagens figurativos que somente são mostrados a fim de apontar como Yoñlu preparou um cenário de normalidade com o objetivo de esconder suas intenções suicidas. Ao isentar os pais de qualquer participação nesta trajetória, o filme atende ao desejo do próprio Yoñlu que, em carta, deixou clara a impossibilidade deles de impedir o trágico desfecho. Numa época em que jogos e desafios como baleia azul, momo e outros pululam na internet, o filme Yoñlu, a parte sua excelência em traduzir uma vida, é também um alerta sobre os perigos escondidos nas redes sociais.