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Publicado por em ago 30, 2022 em Artigos, Críticas, Festival de Gramado |

9: um filme sobre futebol sem futebol, de Victor Hugo Furtado

“9”, divulgação.

Nos últimos anos, o futebol de alto nível, como qualquer outro esporte em sua potência máxima, vem demandando absurda concentração de seus adeptos. Muito por conta desse processo, a vida da maioria dos jogadores se divide entre trabalho e lazer, pura e simplesmente. Nesse preto e branco, raramente surgem zonas cinzas como Diego Maradona, Sócrates, Carlos Caszely e Éric Cantona. Em comum, esses e poucos outros não desperdiçam as portas que a riqueza lhes abre, mas utilizam de suas idolatrias para tratar de temas sociais, como preconceito e opressão política, por exemplo.

Entretanto, ainda mais recentemente, uma outra “militância” tem se incorporado no imaginário esportivo. Figuras como Simone Biles, da ginástica olímpica, ou o próprio Neymar, da seleção brasileira de futebol, alegam exaustão e falta de opções próprias. Um dos mais celebrados longas do 50° Festival de Cinema de Gramado mergulha nessa temática. Exibido também em Mar del Plata, o poético 9 (2021) é um filme de futebol que não possui futebol, de fato, em sua narrativa – somente no imaginário.

A trama segue o fictício boleiro uruguaio Christian, que se encontra recluso num condomínio de luxo em seu país de origem após um evento de descontrole numa partida válida pelo campeonato nacional português, no qual defende um grande clube e veste a prestigiada camisa 9. Sob a incisiva tutela do pai, o jovem vive numa espécie de jaula de ouro, onde não decide o que come, não escolhe pra onde vai ou com quem se relaciona, e mal veste o que lhe agrada. O protagonista é vivido pelo novato Enzo Vogrincic, que já integrou o elenco do prestigiado Uma noite de 12 anos (2018) e da série Iosi, O Espião Arrependido (2022). Ainda em seus primeiros passos, mostra que tem potencial para personagens de cunho privado, que necessitam de concentração dos espectadores para que lhes sejam abertos universos particulares.

A saga deste Luis Suárez de mentirinha, dirigida com empenho e paciência na construção do enredo pela dupla Martín Barrenechea e Nicolás Branca, destrincha o antes folclórico mundo do futebol, hoje capitalizado da maneira mais selvagem e insensível. Até quando 9 (2021) retratará a atualidade com tamanha verossimilhança? O próprio ecossistema da bola poderá responder brevemente.

Texto de Victor Hugo Furtado.