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Publicado por em mar 25, 2014 em Artigos |

Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo

26por Rodrigo de Oliveira

Antes de se aventurar em uma sessão de Viajo Porque Preciso, Volto porque te Amo, o espectador deve saber de antemão que entrará em contato com um filme conceitual da dupla de ótimos diretores Marcelo Gomes (de Cinema, Aspirinas e Urubus) e Karim Ainouz (de O Céu de Suely). Isso porque, certamente, o público incauto estranhará o estilo diferenciado empregado pelo duo em seu Road movie, uma criação que apaga propositalmente as demarcações entre ficção e documentário.

Para falar sobre a sinopse do filme, é importante contar um pouco do background das filmagens. Marcelo Gomes e Karim Ainouz gravaram as mais variadas cenas em sua viagem pelo nordeste do país, sem ao menos saber especificamente por que estavam fazendo aquilo. Os registros desta viagem ficaram de molho por um tempo enquanto os cineastas trabalhavam em suas obras solo. Depois de um tempo de maturação da carreira de ambos, as imagens foram resgatadas e só então a dupla pensou em uma história para preencher as lacunas daqueles takes. Ou seja, a história do filme é toda criada em pós-produção. Não existiu um roteiro anterior que delimitou as escolhas de Gomes e Ainouz. Agora, com o scrip em mãos, o duo voltou para o nordeste e completou as filmagens necessárias para dar sentido a sua trama. Assim nasceu Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo.

Com roteiro dos próprios diretores, o filme conta a história de José Renato (voz de Irandhir Santos), um geólogo que é enviado para o nordeste a fim de realizar uma pesquisa de campo. No entanto, seu pensamento é constantemente desviado de sua missão para assuntos mais caros àquele homem, como sua mulher, seu papel no mundo, entre outras questões pessoais.

Exibido no festival de Veneza de 2009, na mostra Horizontes, o longa-metragem foi erroneamente catalogado como documentário – exatamente por ter um estilo tão diferenciado. Para se ter uma idéia, o protagonista, José Renato, nunca tem seu rosto revelado. A história é toda colocada sob o ponto de vista deste personagem. Sabemos de seus pensamentos e de sua história pregressa conforme ele vai os relembrando. Mas nunca vemos seu rosto. Isso, no entanto, não é necessariamente um empecilho para que o espectador se relacione com José. É bem verdade que uma identificação maior é alcançada quando conseguimos observar quem está nos contando a história. Mas o fato de seus pensamentos serem tão presentes, abertos de forma tão verdadeira, faz com que o público consiga realmente se aproximar do protagonista.

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As imagens da estrada nos dão um panorama bastante realista do nordeste brasileiro, mostrando figuras curiosas, estabelecimentos inóspitos e, claro, as tradicionais paisagens do sertão. O espectador é convidado nesta jornada existencialista com o protagonista e não só consegue ouvir os seus pensamentos, mas tem uma idéia bastante aproximada do que veria em uma viagem semelhante.

Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo é, no fim das contas, um ensaio, um filme-conceito. Vale muito mais pela forma de apagar as linhas entre ficção e documentário, por se desligar das amarras do roteiro pregresso e por conseguir manter-se bastante coeso e interessante por toda a sua narrativa. Gomes e Ainouz se revelam cada vez mais verdadeiros autores, trazendo uma saudável novidade para o cinema brasileiro. Se a trama deixa a desejar em alguns momentos, é totalmente perdoável em relação ao exercício proposto.