Páginas
Seções

Publicado por em mar 25, 2014 em Artigos |

Uma janela para James Ivory

Roger Lerina / Enviado especial a Punta del Este

13O grande homenageado do 13º Festival Internacional de Cine de Punta del Este foi o cineasta James Ivory. Aos 81 anos, o diretor americano de filmes tão ingleses como Retorno a Howard’s End (1992) e Vestígios do Dia (1993) exibiu na abertura do evento, fora do concurso, seu mais novo longa: The City of your Final Destination – o primeiro sem a parceria de seu companheiro, o produtor e diretor indiano Ismail Merchant, morto em 2005. História se passa no Uruguai, mas o filme foi rodado na Argentina pelas facilidades técnicas (“Quando eu fizer um filme sobre a Argentina, prometo rodá-lo no Uruguai”, desculpou-se Ivory antes da projeção, no último dia 13). A trilha sonora do filme é assinada pelo cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler.

Discreto, elegante e simpático, Ivory recebeu Zero Hora em um dos aposentos do charmoso hotel onde ficou hospedado em Punta del Este – uma casa rodeada de objetos de antiquário que lembra alguma vila italiana saída de um dos filmes do realizador como Uma Janela para o Amor (1985).

Zero Hora – O senhor disse que um dos motivos que o levou a filmar The City of your Final Destination era poder conhecer a Américo do Sul. Quais foram suas impressões sobre essa parte do mundo?

James Ivory – A primeira coisa que me chamou a atenção foi a semelhança entre a América do Norte e a do Sul. Aqui é um vasto, vasto continente, com milhas e milhas de todo tipo de terreno. Especialmente nos pampas, onde rodamos o filme: essa vastidão do território, que na verdade me lembra muito onde eu cresci, na Califórnia, no Vale de San Joaquin. É muito parecido, as árvores, as paisagens, a planura de tudo, até mesmo arquitetura, os céus cinzentos pesados. Eu me senti como se estivesse em casa. As pessoas também me fizeram sentir assim com sua hospitalidade.

ZH – Quanto tempo o senhor ficou na Argentina?
Ivory – Quatro meses.

ZH – E quais foram as dificuldades de filmar lá?
Ivory – A única dificuldade é a mesma que eu tenho de filmar em qualquer locação distante: enquanto filme, preciso ver as imagens reveladas. E isso sempre é complicado em função de distâncias, questões técnicas, alfândega. O resto foi tudo muito organizado.

ZH – O senhor ensaia muito antes de filmar?
Ivory – Sim, nós sempre ensaiamos muito no set.

ZH – Um dos temas principais de seus filmes, inclusive nesse mais recente, é o choque de culturas, especialmente entre aquelas colonizadoras e as colonizadas. O senhor acha que atualmente com a globalização a humanidade está mais integrada?
Ivory – Sim, definitivamente o mundo está mais integrado. Mas, no final das contas, as pessoas continuam amando suas casas e seus países, para o bem ou para o mal.

ZH – Os americanos também estão mais abertos a interagir com outros povos?
Ivory – Acho que sim. Em relação à América do Sul, por exemplo, temos muita coisa em comum: são dois enormes continentes, cheios de imigrantes, ainda com grandes partes ainda por explorar, uma bagagem cultural semelhante vinda da civilização europeia.

ZH – Como é trabalhar com um elenco de atores vindos de lugares tão diferentes?
Ivory – Eu sempre trabalho com atores vindos de diferentes mundos, idades, bagagens culturais, modos de atuar. Eu gosto disso! Os personagens do livro que adaptei vêm de todo lugar.

ZH – O senhor já dirigiu Anthony Hopkins em três filmes. Como é trabalhar com ele?
Ivory – É muito bom! Ele estava completamente relaxado nesse filme, ele se divertiu muito no set. Ele sempre está em boa forma. Talvez em Os Amores de Picasso ele não esteja em seu melhor humor… Mas nesse filme ele está!

ZH – Ele auxilia por exemplo os atores mais novos?
Ivory – Acho que atores mais velhos sempre fazem isso em cena. Eles acabam impondo um padrão de comportamento no set. Os atores mais jovens ficam com receio de perturbar os mais velhos em cena. E isso ajuda bastante no meu trabalho.

ZH – O que o atraiu na história de The City of your Final Destination?
Ivory – Eu gosto dos personagens e de sua constante confrontação. Todos parecem estar brigando o tempo todo. Ao mesmo tempo, todos eles vivem juntos, por motivos iguais ou opostos. Os diálogos são muito espirituosos. Acho que o filme com mais diálogos que eu já fiz, até mais do que Retorno a Howard’s End. Transpor esses longos diálogos para um filme exige que sejam compactados, e eu gosto disso.

ZH – Quais armadilhas você tem que evitar quando filma uma adaptação literária?
Ivory – Eu penso que você tem que seguir a voz do escritor. Se não, por que filmar uma adaptação? Você também não pode ficar preso pelo material: você tem que fazer o que é preciso para contar a sua história, um filme não é um livro. Nós fizemos muitas alterações nessa história, em particular.

ZH – Como o senhor reage às expectativas de boa parte de seu público que preferem que faça filmes de época?
Ivory – Sinto muito, eles vão ter que se acostumar (risos). Eu não posso fazer isso sempre. Esse é o primeiro filme que faço em que todo mundo usa t-shirts (risos).

ZH – Esse é seu primeiro longa sem a colaboração de Ismail Merchant.
Ivory – Foi muito difícil. Muito, muito difícil. Ele sempre estava lá, de olho em tudo… Nesse filme, a rodagem foi bem, mas tivemos problemas técnicos e financeiros antes, como o estouro da crise mundial. Ele se envolvia também artisticamente com o filme. Eu e ele estivemos na Argentina em 2004, antes da China (onde foi rodado A Condessa Branca, de 2005), em busca de locações. Foi dele também a ideia de comprar os direitos do livro. Ele também esteve envolvido nesse filme, portanto.

ZH – O senhor costuma olhar para trás para fazer alguma avaliação de sua carreira?
Ivory – Uma das coisas que gosto de fazer agora é rever alguns de meus filmes antigos. E gosto de alguns deles. Não vejo em DVD, mas projetados em uma sala de cinema mesmo.

ZH – E o senhor tem algum preferido?
Ivory – Bem, gosto de Maurice (1987), também de A Taça de Ouro (2000) e A Condessa Branca. Depois que você termina um filme, não o revê mais e só relembra as coisas boas. Se um filme não foi bem recebido, bem, não foi bem recebido. É um mistério saber por que um filme vai bem e outro não, você nunca sabe a razão. Mas o filme está lá. Às vezes revê-lo me satisfaz, às vezes penso: “Eu nunca mais vou fazer isso de novo”. Penso que poderia fazer diferente isso ou aquilo, talvez porque agora eu tenha mais paciência e determinação. Cada filme é um problema completamente diferente. Você pode resolver ou não um determinado problema em um filme, mas o seguinte vai apresentar problemas distintos. No fim das contas, tudo o que você fez para solucionar as coisas em um filme podem não servir para nada no seguinte. A mesma coisa com atores: o jeito como você consegue extrair a atuação de um ator pode não funcionar com outro.

ZH – O senhor está satisfeito com sua carreira?
Ivory – Sim, estou. E deveria: eu tive toda a liberdade para fazer nossos filmes – somos mais ou menos quatro pessoas sempre envolvidas neles. Tive uma liberdade que pouquíssimos cineastas americanos tiveram. Para o tipo de filme que fazemos, não é comum esse tipo de aceitação em Hollywood. Eu seria muito ingrato se não reconhecesse isso.

ZH – O senhor ainda vai ao cinema?
Ivory – O tempo todo! Procuro não ver mais filmes hollywoodianos, apenas se há algum ator ou diretor que me interesso. Tento ver filmes europeus ou asiáticos. Mas é difícil ver em Nova York filmes sul-americanos. Hollywood faz filmes para garotos, sucessos enormes como Avatar. São filmes para crianças! Mas vou ver Avatar…

ZH – O senhor pretende um dia visitar o Brasil?
Ivory – Sim! Tenho um amigo argentino que se mudou para o Brasil e que me disse: “Lá é o lugar para fazer filmes”. Quem sabem em um próximo projeto…

Roger Lerina viajou a convite do Festival Internacional de Cine de Punta del Este

The City of your final Destination (2008)

Com roteiro de Ruth Prawer Jhabvala – colaboradora habitual de James Ivory -, o filme é a adaptação de um romance do escritor Peter Cameron. Na história, um jovem professor de literatura de origem iraniana viaja até o Uruguai em busca da autorização para escrever o biografia de um recluso escritor que escreveu apenas um livro. Na fazenda do autor morto, Omar (Omar Metwally) convive com o singular grupo de estrangeiros que vive no local, em uma espécie de comunidade: a viúva do escritor (Laura Linney), a amante dele (Charlotte Gainsbourg), o irmão (Anthony Hopkins) e seu companheiro (Hiroyuki Sanada). O filme ainda não tem título em português nem data de estreia marcada no Brasil.

Entrevista publicada no dia 22 de março de 2010 no jornal Zero Hora. Texto de crítico integrante da ACCIRS já publicado em outro veículo da imprensa e autorizado para publicação no site da associação.