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Publicado por em mar 23, 2014 em Artigos |

Uma estreia sublime (Matando Cabos, 2004)

matandocabosPor: Mário Pertile

Após flagrar Jaque (Tony Dalton, de Mujer Alabastrina, 2006), funcionário de sua multinacional, transando com Paulina (Ana Cláudia Talancon, de El Cometa, 1999), sua filha, o milionário e dissimulado Oscar Cabos (Pedro Almendariz, de Pecado Original, 2001), considerado o homem mais poderoso do México, resolve dar uma dura lição no seu subordinado. No dia seguinte, para não criar atritos com seu futuro sogro e muito menos com seu chefe (que casualmente são a mesma pessoa), Jaque vai até o escritório do temido Oscar Cabos com intuito de desculpar-se. Em um acesso de raiva, Cabos escorrega e, após bater com a cabeça no solo, acaba por encontrar-se totalmente inconsciente. Sem muitas opções, Jaque deixa o empresário sozinho para procurar Mudo (Kristoff Razynsky), colega e amigo, e juntos decidirem o que fazer. O problema é que quando retornam ao escritório, Cabos está vestido apenas com suas roupas de baixo. Durante alguns minutos de discussão no banheiro, resolvem esconder o perigoso chefe, seminu, no porta-malas do carro de Jaque, para mais tarde descarregá-lo longe dali.

Paralelamente a isso, Nico (Gustavo Sanches Parra, de Amores Brutos, 2000) e Botcha (Raúl Méndez, de A Lenda do Zorro, 2005), dois homens de caráter bastante duvidoso, ao tentar seqüestrar Cabos acabam equivocando-se e seqüestrando o faxineiro Nacho (Pedro Altamiro, de A Máscara do Zorro, 1998 e A Lenda do Zorro, 2005), pai de Botcha, que no momento do crime se passava pelo Chefe todo poderoso.

A confusão realmente começa quando, em razão de uma perseguição mal-sucedida pelas ruas da cidade do México, resultando em um acidente automobilístico, Jaque e Mudo pedem ajuda para Ruben (Joaquim Cosio, de Un Mundo Maravilloso, 2006), um lutador de luta livre aposentado e alcoólatra conhecido como “Mascarita” (uma espécie de paródia do lutador Guzman Huerta, estrela da luta livre e cinema mexicano nas décadas de 60 e 70) e seu guarda costas Tony (Silvério Palácios, E Sua Mãe Também, 2001), um anão conhecido como “El Canibal”.

Na direção certa
Com elementos que têm tudo para ser uma comédia “pastelão” barata, Matando Cabos (menção honrosa na 17ª edição do San Juan Cinemafest e vencedor de três prêmios no MTV Movie Awards 2005), torna-se uma obra-prima conduzida com maestria pelo diretor mexicano Alejandro Lozano (diretor e roteirista do curta de 3min. Guzman Huerta, 2002). Utilizando-se de um humor ácido e de uma violência fria e calculista como fio condutor para algumas cenas, em certos momentos Lozano chega a atingir uma tênue semelhança à linguagem do clássico Laranja Mecânica (de Stanley Kubrick, 1971), inspirando-se livremente no estilo narrativo não-linear atualmente utilizado por diretores como Quentin Tarantino (Kill Bill Vol. I, 2003, e Kill Bill Vol.II, 2004) para expor argumentos indispensáveis para a trama (As influências citadas neste parágrafo são confirmadas pelo próprio diretor em entrevista cedida durante as filmagens de seu próximo longa, Sultanes del Sur).

O humor em tom obscuro explicitamente presente em tiradas satirizando situações de extrema angústia e desespero utilizado por Lozano é uma característica marcante na história da comédia mexicana. Produtor do Especial Chespirito – 35 Años en el Corazón del Mexico (2005, produção para a TV), Lozano incorpora neste seu primeiro trabalho um estilo que imortalizou grandes comediantes da América Central como Mário Moreno (Cantinflas) e Roberto Gomes Bolaños (Chespirito). A diferença (e o que torna a obra de Alejandro uma produção singular) é que em Matando Cabos este humor é combinado com a violência do cotidiano marginal, como na cena em que o seqüestrador Botcha corta o dedo da vítima sem saber que por baixo da fronha que esconde o rosto do suposto Oscar Cabos na verdade é seu pai passando-se por ele. A situação que é totalmente deprimente para os personagens cria um ambiente debochado no mínimo interessante para quem está do outro lado da tela, podendo acompanhar o desenrolar da trama por todos os pontos de vista.

Estética sublime
É difícil encontrar títulos como Matando Cabos, que chamam a atenção pelo ótimo apelo estético que, da capa do DVD aos créditos finais, passando pela edição, sincronização da ação com a trilha sonora (embalando o filme ao som de batidas ligeiras com personalidade) e caracterização dos personagens bem definida, possua uma identidade visual perfeita, “redonda”, ambientando e preparando o espectador para o que está por vir. Tudo parece ter sido tratado nos mínimos detalhes começando pela capa, vermelha em sua totalidade, mostrado em primeiro plano um homem de paletó com uma envergadura bastante cansada, amarrado em uma cadeira, com uma fronha na cabeça, dando um ar de crítica ao sistema capitalista e total despreocupação com o politicamente correto.

O lettering “Matando Cabos” de forma desordenada expressa a ação presente no filme complementada com uma pitada de ironia: uma placa de “Pare”, amassada, sinalizada pelo desenho de uma mão sem o dedo mínimo.

Quanto à plasticidade apresentada por Lozano, nas cenas de maior tensão a imagem mais granulada que o normal e as tomadas picotadas em jump cuts fazem com que o espectador participe da ação proposta. A noite exposta na tela com cores frias ao fundo destaca os personagens em primeiro plano, utilizando um certo brilho para contrastar com o fundo escuro.

Além das idas e vindas do roteiro, como janelas abertas na linha do tempo para contar fatos importantes do passado dos personagens, o que deixa a trama com um ritmo muito mais empolgante, existem duas tomadas que de certa forma deslocam-se do roteiro principal, merecendo destaque. A primeira é um mini-documentário sobre a carreira de Mascarita composta por entrevistas e imagens de suas lutas justificando o mistério criado em volta de sua figura. Este documentário serve para tornar o personagem real por alguns momentos e revelar sua caricata personalidade de lutador a la Supercats. Uma solução bem elaborada para poupar tomadas desnecessárias de diálogo. Outro momento digno de destaque é quando Mascarita, entorpecido por um “docinho”, tem um flashback, exibido em preto-e-branco, em que passado e presente se confundem. O lutador sai de carro pelas ruas de uma pacata cidade mexicana, armado apenas com sua fantasia, para combater zumbis e pinups marcianas, protegendo cidadãos comuns do mal que os aflige. Com uma seqüência de luta que nos remete aos antigos seriados de super heróis como Batman & Robin, Lozano dá seu toque autoral assinando a obra com uma necessidade de mostrar ao mundo a figura do anti-herói mexicano.

Violento, sutilmente engraçado e com críticas subliminares ao sistema atual, Matando Cabos é um filme que insere Alejandro Lozano em uma esfera de grandes diretores tendo neste seu primeiro longa uma amostra de sua grande capacidade.

Matando Cabos
Direção: Alejandro Lozano
Roteiro: Alejandro Lozano, Tony Dalton e Kristoff
Com: Tony Dalton, Ana Claudia Talacon, Pedro Armendáriz Jr., Kristoff e Raúl Méndez
País de produção: México
Ano de lançamento: 2004
Disponível em DVD no Brasil
Duração: 94 minutos