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Publicado por em jul 27, 2009 em Uncategorized |

Uma análise dos planos físicos e imateriais da realidade (Donnie Darko, 2001)

por Misael Lima

Em 2001, o diretor estreante Richard Kelly, juntou um elenco de grandes talentos, com talentos promissores, em uma produção independente que tinha como grande trunfo um roteiro difícil e intrigante. O filme contava com a força da produtora Drew Barrymore, atriz famosa desde os anos 80 e que aceitou investir na produção, desde que pudesse fazer uma ponta. Com uma cifra ínfima de 4 milhões de dólares, Donnie Darko foi lançado diretamente em DVD, onde tornou-se, quase de maneira instantânea, um fenômeno cult.

A história trazia o então desconhecido Jake Gyllenhaal (O segredo de Brokeback Mountain) como o personagem título do filme. Perturbado, ele conversa com Frank, um coelho gigante, que após salvar a sua vida lhe diz que o mundo vai acabar em 28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos.

O filme é um emaranhado de tramas que passam desde a física aplicada, com viagens no tempo e dimensões paralelas, até sutilezas que o enchem de significados e análises mais profundas do comportamento humano. Em certo ponto do filme, o protagonista discute com a professora. A vida não pode ser simplificada a simplesmente uma linha de medo e amor. O espectro das emoções humanas é muito maior e não pode ser desconsiderado. A solidão do personagem mostra-se mais forte por ele ser o único que não aceita essa simplificação massiva daquilo que lhe é ensinado. As coisas começam a ficar mais claras após o evento catalisador da história.
Wormholes

Pouco a pouco, conforme Donnie Darko começa a conhecer seu guia nessa viagem bizarra, descobre importantes questões sobre o espaço-tempo. Frank é um viajante de outro lugar no tempo (ou espaço), que prevê o fim de um mundo. O protagonista que sofre de esquizofrenia tem consciência de seus atos, mas não é quem toma controle de suas ações. Seu alter-ego (o verdadeiro Darko), tem poderes além do imaginado.

Capacitado por Frank ele lentamente começa a traçar um caminho, na tentativa de destruir a anomalia temporal que o levou àquele ponto. As peças se juntam pouco a pouco, mas o conceito é debatido por seu professor, teorizado por Stephen Hawking e por Roberta Sparrow, uma personagem misteriosa, mas de fundamental importância para a trama. A teoria dos wormholes, ou buracos de minhoca, diz que existe a possibilidade de um portal se abrir em um determinado local e levar o viajante de um ponto do tempo-espaço para outro. Esse local pode ser o passado, o futuro, ou outra realidade. O terceiro caso é talvez o que tenha mais importância neste filme.

Parte-se do fato de que nenhum futuro é pré-definido. É impossível saber o que cada decisão pode acarretar, por isso, é impossível saber muito além de um pequeno espaço de tempo, a frente do ato realizado. Frank vem de uma linha temporal onde o fato de Darko ter sobrevivido, resultou em uma série de outros atos que acabaram com a realidade como ela era conhecida. Assim, cada ato dele é orientado para que leve a um desfecho final. Qual então é a intenção de Frank: Não deixar que essa anomalia se espalhe? Que ela termine com o mínimo dano possível? Que o destino de Donnie Darko, seja aquele do qual ele fugiu?

A verdade é que, apesar do final aparente, algo mudou nos personagens envolvidos. No momento exato onde a anomalia é finalmente controlada, uma epifania percorre os envolvidos, ao som de Mad World, do Tears for Fears.

Complexo de Messias
Com uma missão da qual ele não imagina o propósito final, uma história digna da bíblia transcorre lentamente na personalidade e caráter do jovem Darko. De início, um egoísta e sem respeito, o adolescente começa a ver a importância de cada pessoa em seu círculo mais próximo. Nessa tentativa, ele não pretende unicamente salvar suas vidas que parecem continuar medíocres. Ele precisa acordá-los para a realidade. Daí a inundação da escola e o desmascaramento do falso profeta, que são suas obras-primas: a libertação por meio da anarquia. A destruição do sistema que torna todos tão cinzas e destruídos.

A professora novata descarrega toda a sua raiva no apático diretor e o acusa de negligência, quando após uma tentativa frustrada de mudança das orientações pré-determinadas, é demitida de seu cargo. Ela, junto com o professor de física, Donnie Darko e a chinesa gordinha, são os únicos personagens que parecem destoantes em todo o filme. São os únicos que ousam quebrar as regras subliminarmente incutidas na mente de todos, durante toda a vida. Não é a toa que Darko leva a mal, quando Gretchen, seu par amoroso, o chama de estranho. Logo, ela explica: “Isso foi um elogio”.

Gretchen é na verdade a última tentação do messias aqui no filme. Essa comparação fica clara quando na sessão de cinema, eles assistem justamente A Última Tentação de Cristo. Quando Donnie parece se acomodar com essa vida comum, apresenta mesmo um projeto que renega seus ideais: um óculos especial que tranqüiliza os bebês, exibindo fotos e vídeos de coisas belas, durante a noite. É chamado de volta, quando o professor questiona: “Você não acha que adaptar-se à escuridão é necessário para o desenvolvimento da criança?”. Esse confronto com a realidade choca Darko. A vida estava mais ligada ao medo e ao amor do que ele imaginava. Mas, o que decorre disto, envolve muito mais aspectos, sentimentos e decisões, e ele tinha razão. E a questão não é viver apenas em um dos extremos, mas sim, saber lidar com ambos. Saber quando o medo e o amor completam-se. Saber quando fugir e quando aceitar.

Essas revelações mudam toda a personalidade do protagonista. O que começara um jovem cheio de defesas, medos pessoais e incertezas, torna-se lentamente o messias pré-destinado. E como o Jesus de Willem Dafoe, quando chega a hora de encarar o seu calvário, ele pode enfrentá-lo sorrindo. (Misael Lima)

Donnie Darko
EUA, 2001
Suspense/ficção – 122 min.
Direção e roteiro: Richard Kelly
Com: Jake Gyllenhaal, Drew Barrymore, Jena Malone, Mary McDonnell, Katharine Ross, Patrick Swayze, Noah Wyle