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Publicado por em mar 24, 2014 em Artigos |

Um olhar sobre a Índia (Livro Um Spa na Índia)

por Hiron Goidanich, o Goida

04Primeiro, veio o documentário: Índia, do Deserto ao Ganges. Apenas 40 minutos, rodados com câmera digital. A Luciana Tomasi – sócia da Casa de Cinema de Porto Alegre – achava que as imagens não tinham ficado boas. “Sou péssima câmera, pois sou muito ansiosa… Não sei se vai render um documentário… As fotografias devem estar melhores que as imagens em movimento”.

Os poucos privilegiados que viram o documentário gostaram. Com um poder de síntese ótimo, montagem perfeita, a Luli fez um trabalho bom. Dispensou a narrativa, usou somente músicas que se ouviam nas ruas, nos templos, castelos e os lugares que percorreu. Há indicações com os nomes: Nova Délhi, Jaipur, Pushkar, Jodhpur, Jaisalmer, Udaipur e Varanasi. Tudo para chegar numa clínica de tratamento ayurvédico em Cochin. Pelos nomes, já se vê que não foi uma viagem convencional.

“A idéia era cuidar de mim, emagrecer, desestressar e fazer uma limpeza no corpo e na alma”. Daí a razão do nome do livro Um Spa na Índia (da Libretos) que a gente lê com um prazer diferenciado. Não é a apenas a descrição de uma viagem, de algum turista sem nenhum conhecimento do que iria ver e sentir.

“A afetuosidade, a camaradagem, aqui, são reais. Se o mundo fosse justo, todos deveriam viajar o tempo todo trocando de lugares, de papéis, lendo e estudando sobre outras culturas”, diz Luli. “Sair da rotina é fundamental para a paz de espírito do ser humano. Posso dizer que sou católica, praticante do hinduísmo e simpatizante do budismo.

A cineasta narra sua viagem enriquecendo-a de detalhes sobre sua personalidade e intimidade. Fala de casamentos, maternidade, trabalho, lazer, a busca da espiritualidade. Nada estilo “auto-ajuda” ou esoterismos babacas. E há um humor recheado de apontamentos curiosos. “Bati uma foto de um boneco do Bush, de quatro e com a calça arriada que você pode enfiar a ponta da caneta no fiofó do boneco”. Mais: “Acho que os homens estão tão dependentes emocionalmente das mulheres que já é necessário um movimento de libertação masculina. Ou será que sempre foram dependentes, e a macheza foi só uma fachada? Guerreiros chegando em casa e indo chorar embaixo das saias das mulheres, depois de destruir toda uma civilização”.

Mas o melhor do livro é a experiência desastrosa na clínica de tratamento ayurvédico. Um local horrível, sujo, caro e desesperador. “Comecei a perguntar o nome dos tratamentos que eu faria, ela escreveu para mim: udwarthanam, abhyangam, elakizhy. Muito elucidativo”.

O sonho se tornou pesadelo. E nisso a Luli foi de uma autocrítica perfeita. A ilusão que no final do tratamento viria o tão sonhado nirvana. “…No sétimo dia aqui, sétimo céu, vou olhar meio espelho encardido e vou enxergar a Cate Blanchett”, morreu no final do primeiro dia. A descrição do desespero é ao mesmo tempo real e engraçada. “Toda minha religiosidade e boa vontade foram por água abaixo. Saí num riquixá que peguei na rua já brigando com o motorista, até uma localidade chamada Ernakulam, onde fui telefonar para o Brasil, querendo dizer para o Carlos: não fico nem mais um dia nesta falcatrua, maracutaia, roubada”.

O livro só tem um defeito-virtude. É conciso (145 páginas) e a gente se despede dele com uma vontade rara de prosseguir na leitura. Para terminar, mais uma citação dela: “…Um indiano loução tentando nos empurrar para as fogueiras dizendo no seu precário inglês: burning bodies, burning bodies. Um bom título para uma banda trash”.

Publicado originalmente no semanário CineSemana, coluna Opinião, edição de 1/2/2008. Texto de crítico integrante da ACCIRS já publicado em outro veículo da imprensa e autorizado para publicação no site da associação.