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Publicado por em mar 25, 2014 em Artigos |

Tropa de Elite 2 – José Padilha rediscute o gênero dos filmes de máfia brasileiros

t1Por Misael Elias de Lima

O Capitão Nascimento está mais velho, mais experiente e mais intolerante. Suas crises de ansiedade foram afogadas no mar de sangue da guerra do Bope com o tráfico e agora, ele pode fazer pelo Bope tudo aquilo que a organização proporcionou para ele. Mas assim como a experiência trouxe força e determinação para o Caveira, também acabou com qualquer surpresa e felicidade que uma vida comum poderia oferecer. O casamento destroçado, a distância do filho e de todos com quem se relacionava e o rosto cansado e marcado por suas lutas são parte dessa nova realidade como sub-secretário de segurança e líder da inteligência no governo do Rio de Janeiro. O Bope é uma máquina que funciona perfeitamente, equipada com a melhor tecnologia.

O que Nascimento não sabe é que essa máquina pode estar trabalhando para as pessoas erradas e que o seu verdadeiro inimigo não está no tráfico de drogas. Tropa de Elite 2 mostra os personagens do primeiro filme encarando agora as milícias policiais do Rio de Janeiro pós-tráfico de drogas. José Padilha relembra Parada 174, seu documentário de estreia com as tomadas de helicóptero e as narrações que pontuam esse novo filme. Pode-se dizer que essa já é uma marca do diretor, que segue mostrando como o Capitão Nascimento vai do inferno à redenção em uma trama muito bem amarrada e conduzida de dar inveja à Francis Ford Coppola e o seu Poderoso Chefão. O que não fica implícito é a violência que como no filme de 74, abusa do sangue e no visual intenso e rápido captado pela câmera visceral de Lula Carvalho que repete em momentos tomadas do primeiro filme acentuando as tonalidades emocionais de determinadas cenas, como por exemplo, na casa mal iluminada e vazia do Capitão Nascimento. No primeiro filme, ela parecia desconexa com a presença de sua esposa e nesse segundo momento, parece confortável com a presença solitária do protagonista.

Wagner Moura consegue com Tropa de Elite 2 marcar sua posição como um dos melhores atores do cinema brasileiro atualmente. Não há papel que pareça desconfortável em sua pele. Seja como ator de comédia ou romance, seja nesse papel que o consagrou, ele sabe como carregar o tom dramático do filme. Sua expressão intacta durante quase todo o filme sucumbe nos momentos finais, perto de sua redenção. O elenco de apoio é competente em seus papéis, seja o monstruoso Rocha ou o malandro Fábio, ou mesmo o apresentador de programa de TV sensacionalista. Mesmo se ao humanista Fraga pareça faltar um pouco de força ao papel, aos poucos o personagem parece ganhar vida própria e tornar-se incrível. O roteiro desse segundo filme consegue aprofundar mais do que apenas na violência crua e, como chamam alguns, fascista de Tropa de Elite. Personagens e situações não existem apenas para para mostrar como funciona o Bope (que aliás, tem papel secundário nesse filme), mas criam relações e sub-tramas intrincadas, dignas de Hollywood. Os diálogos mais ricos colocam em questão a política e a polícia que se importam apenas com dinheiro e poder deixando de lado o povo, de forma cruel e usurpadora.

É essa realidade que perturba em Tropa de Elite. Ver Jason Bourne ou Jack Bauer torturando meio mundo em prol dos Estados Unidos pode parecer exagero ou sequer rhega a incomodar. Mas ver o Brasil que conhecemos, as instituições que nos são familiares destruindo a confiança do povo que depende e se aproveitando da displicência do poder Público é algo que em certo momento do filme torna-se insuportável. Mesmo porque, nem o próprio Nascimento é capaz de resolver no braço e rende-se aos tribunais em busca de vingança. E o final otimista é mais do que um privilégio da ficção, é um final necessário para que possamos pelo menos, imaginar um país que seja capaz de resolver suas próprias feridas através da justiça.