Páginas
Seções

Publicado por em mar 25, 2014 em Artigos |

Os Inquilinos

20por Rodrigo de Oliveira

Criamos muros que nos dão a garantia de que morreremos cheios de uma vida tão vazia. Humberto Gessinger e seus Engenheiros do Hawaii cantavam a música Muros e Grades no começo dos anos 90, apontando um fato que é verdadeiro até hoje: a população cada vez mais temerosa com a violência acaba se encarcerando dentro de suas próprias casas, vivendo uma vida “que leva a nada”. Os muros das residências viraram fortes que afastam as pessoas dos problemas alheios. É basicamente isso que vive a família protagonista do mais recente trabalho do cineasta paranaense Sérgio Bianchi, Os Inquilinos.

No roteiro assinado por Beatriz Bracher, baseado no conto de Vagner Geovani Ferrer, acompanhamos a rotina da família de Valter (Marat Descartes) e Iara (Ana Carbatti), moradores da periferia de São Paulo em um período bombástico na cidade, os ataques do PCC. Ela, dona de casa, cuida de dois filhos. Ele, trabalhador e estudante, passa o dia em uma companhia de entrepostos de frutas e, à noite, no colégio. Seu trivial cotidiano muda drasticamente quando três jovens rapazes se mudam para a casa ao lado. Barulhentos, bocas-sujas e sem emprego, o trio transforma a vida dos vizinhos em um inferno. Iara acredita que os rapazes são bandidos e tenta convencer o marido a fazer algo a respeito. Mas o que fazer quando o perigo mora ao lado e se tem muito medo em encará-lo?

Sérgio Bianchi é conhecido por ser um diretor contundente. O cineasta está na ativa desde o final dos anos 70, mas foi em 2000, com Cronicamente Inviável que seu trabalho ganhou mais repercussão. Bianchi é interessado em retratar a sociedade da forma que a enxerga, sem maiores pudores em revelar o lado menos invejável do ser humano. Portanto, cria um protagonista que, basicamente, não suporta a situação em que vive, mas por medo de represálias acaba não fazendo nada sobre o caso. O roteiro utiliza de forma interessante os acontecimentos do entorno para ampliar a tensão da trama. Não é por acaso que a história é ambientada na época dos ataques do PCC à cidade de São Paulo. A população vivia em um estado de medo constante e a menor hipótese daquele terror maximizado chegar ao lado de sua casa era intolerável. Com esse cenário, e a televisão aumentando de forma exponencial o pânico, qualquer cidadão se sentiria indefeso. Bianchi é feliz por transformar o microcosmos daquela vizinhança da periferia em um retrato do temor que toda São Paulo vivia naquele período.

Marat Descartes demora em se encontrar como o retraído Valter (a forma de dar o texto parece um tanto ensaiada no início), mas o ator cresce no desenrolar da trama. Seu personagem sabe da responsabilidade que tem com seus filhos e mulher, também tem ciência de que estudar e trabalhar são as melhores formas de trazer um futuro melhor para si e seus entes queridos. Mas o fato de ficar o dia todo fora de casa acaba por o deixar cada vez mais paranóico sobre o destino de sua família vivendo ao lado dos inquilinos indesejados. Ana Carbatti (de Última Parada 174) faz uma boa dobradinha com Marat, incutindo ainda mais medo na cabeça de seu marido. O garotinho Lennon Campos, que interpreta o filho do casal, é um verdadeiro achado. Com simplicidade, a criança não parece em nenhum momento estar vivendo um personagem.

21

Mesmo afirmando não ter isso em mente ao escalar seu elenco, Bianchi acabou dando um ar de realidade muito forte à família protagonista por escolher profissionais pouco conhecidos do grande público. Tanto que, ao sermos apresentados a personagens vividos por atores famosos, como Cássia Kiss e Caio Blat, demora um tempo maior para acreditarmos em suas atuações. A atriz não se ressente tanto deste problema, conquistando logo o espectador ao interpretar uma professora dedicada. Mesmo aparecendo pouco, ela é um dos destaques do elenco. Sua performance foi premiada no Festival do Rio do ano passado, como Melhor Atriz Coadjuvante. Já Caio Blat tem maiores dificuldades em convencer como um rapaz de periferia cheio de gírias, não conseguindo ser bem sucedido em seu intento.

Por trabalhar com uma temática tão real e palpável, Sérgio Bianchi constrói em Os Inquilinos um ótimo painel da sociedade atual. O autor do conto que serviu de base para o roteiro (também vencedor de prêmio no festival carioca em 2009) é morador da periferia de São Paulo e certamente deu uma visão muito íntima do que lá acontece. Com um final irônico como só a vida real pode produzir, o longa-metragem do cineasta paranaense tem ingredientes suficientes para entreter e fazer pensar: qual seria a sua atitude em situação semelhante? Veja o filme e tire suas conclusões.