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Publicado por em mar 25, 2014 em Artigos |

Os inimigos do Estado

t6por Adriano de Oliveira Pinto

Em 2007, “Tropa de Elite” se transformou num fenômeno popular por ser uma síntese sócio-policialesca perfeita de seu tempo (falamos na época: “o filme certo no momento certo”), com a propriedade decausar imediata identificação do espectador com a sede de justiça perpetrada pelo seu icônico protagonista, Capitão Nascimento (Wagner Moura), numa espécie de catarse.

Três anos depois, os seus temas são expandidos, ora modificados e por fim dissecados em diferentes estratos na obra “Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora É Outro” (2010), a qual faz jus ao subtítulo que ostenta. O Capitão, agora Coronel, sai da linha de frente do comando de sua unidade do BOPE – Batalhão de Operações Especiais da Polícia do Rio de Janeiro – após uma ação desastrada de um de seus subordinados (justamente o seu homem de confiança, André (André Ramiro)) na tentativa de conter um motim entre presos de grande periculosidade na Penitenciária de Alta Segurança Bangu 1. Ao invés de ser execrado, curiosamente Nascimento é promovido – tudo para agradar a opinião pública – e passa a despachar de dentro do alto escalão da Secretaria de Segurança fluminense. Lá ele se permite a melhor aparelhar a máquina acional do BOPE, mas vê surgir um novo opositor da paz e da justiça: se o tráfico de entorpecentes era o inimigode outrora, os milicianos que invadiram as favelas para impor uma paz postiça e criar suas próprias regras de subversão são os monstros da vez, com o adicional de constituírem tentáculosde redutos eleitorais a políticos oportunistas. Não bastasse esse problema “externo”, o personagem vivido com desenvoltura e imensa coerência por Wagner Moura enfrenta um tormento “interno”, uma dor de cabeça familiar que é uma das boas surpresas do filme, disparadora de conflitos dramáticos que prendem ainda mais a atenção do público.

Se as cenas de ação ainda vinculam um filme a outro em termos de quantidade e qualidade, a montagem e o trabalho de câmera permanecemágeis quando isso é preciso e muitos personagens coexistem entre eles, esta segunda película guarda diferença importante em relação à anterior ao adotar um viés mais cerebral, com tons políticos. Modificações no colóquio também ocorrem. Os enfrentamentos verbais são fartos e os bordões de cair no gosto popular se mostram em menor número do que anteriormente e mais chulos. Aliás, a quantidade de palavrões aqui, sobretudo na sua primeira metade, é marcante, lembrando caso idêntico em “A Hora Marcada” (2001) e são tantos que involuntariamente recordam os quadros típicos do extinto programa da MTV “Hermes & Renato”.

Destaca-se o elenco de “Tropa de Elite 2”. Além do já citado Moura e sua excelência cênica, o seu antagonista Fraga, interpretado por um espetacular Irandhir Santos, e o temível Russo vivido por um vigoroso Sandro Rocha constituem um trio de atuações de nível bastante superior. Também contribui bem o habitual ladrão-de-cenas Milhem Cortaz como o incorrigível policial Fábio. Já André Ramiro não consegue o mesmo belo desempenho do primeiro filme, embora o seu personagem André carregue consigo uma história fundamental numa das sub-tramas do roteiro do segundo. Aliás, este texto, assinado por Bráulio Mantovani e pelo diretor José Padilha, se manifesta excelente, com pouquíssimos deslizes e primando por desenvoltura e grande capacidade de contundência.

A Padilha cabe um trabalho de direção bastante eficiente, mesmo com algumas ressalvas. Há um deselegante pulo de foco (compartilhado com o operador de câmera) numa cena envolvendo a personagem Rosane (Maria Ribeiro) numa discussão doméstica. A opção – dividida com o montador e o roteiro -de deixar aquela que deveria ser a última sequência como a penúltima, parece uma decisão equivocada: perdeu-se o impacto de um crescendo maravilhoso que representava uma ideia bem desenvolvida ao longo de grande parte do filme para se findar a história com um plano que, apesar de esperançoso e metafórico, remete àquele que encerra “Avatar”. O diretor já havia mostrado que não esconde referências quando concluiu o primeiro “Tropa…” imitando um plano-chave de “Sobre Meninos e Lobos”.

Apesar disso, os méritos da obra são inegáveis, pois além de oferecer entretenimento qualificado, se municia de profuso material de reflexão acerca de quem podem ser os verdadeiros inimigos do Estado. Um filme que tem o poder de se transformar em objeto de debate de nossa realidade é algo venerável.