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Publicado por em mar 25, 2014 em Artigos |

O Amor Segundo B. Schianberg

15Por Rodrigo de Oliveira

Lembra daquele filme do cineasta britânico Michael Winterbottom chamado 9 Canções? Aquele no qual um casal vai a vários shows no Brixton Academy, em Londres, conversam coisas sem importância e fazem muito sexo? Bom, retire os números musicais e o sexo explícito e você pode ter uma idéia do que é O Amor Segundo B. Schianberg, mais recente trabalho do cineasta Beto Brant. Não quero dizer com isso que este longa-metragem sofre de falta de criatividade ou que não é interessante. Pelo contrário. Mas não pude deixar de fazer a relação entre estes dois trabalhos assim que assistia a essa peculiar obra audiovisual do diretor de O Invasor e Cão Sem Dono, feita originalmente para a TV Cultura.

É com Cão sem Dono, aliás, que Amor Segundo B. Schianberg encontra maiores relações. Em comparação, parece que Beto Brant estava experimentando com aquele filme uma forma leve de mostrar cenas cotidianas, em relação à total desdramatização apresentada neste novo longa-metragem. O que o cineasta faz é convidar o espectador para ser um vouyer da situação daquele casal, dentro daquele apartamento. E por mais low-fi que a experiência possa ter saído – a imagem da câmera é saturadíssima e os diálogos, não raro, são inaudíveis – posso dizer que saí satisfeito da sala de cinema

Na “trama”, baseada livremente no personagem Beto Schianberg do livro Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios, de Marçal Aquino, acompanhamos alguns dias na vida do ator Félix (Gustavo Machado) e da videoartista Gala (Marina Previato). Ele, em cartaz com uma peça de teatro, vive no apartamento dela. Ela, montando uma videoarte que só nos é revelada no desfecho. A relação amorosa entre os dois é o fio condutor deste filme experimental, sem roteiro, que traz à baila temas como a arte, o amor e o choque entre os dois.

Não é só a falta de um roteiro propriamente dito que indica a experimentalidade deste Amor Segundo B. Schianberg. Beto Brant se manteve afastado do “set” de filmagens, controlando as câmeras (aquelas usadas em circuito fechado de segurança) instaladas no apartamento da moça em um quarto contíguo. Sua direção chegava aos atores através de mensagens de texto pelo celular ou e-mails. Ou seja, não apenas o espectador é tratado como um vouyer como o próprio cineasta tomou para si este papel. Ao observar as relações entre o casal de forma afastada, Brant construiu um trabalho que poderia lhe fugir totalmente do controle. Se isso acaba não acontecendo, é graças ao excelente trabalho da dupla de atores. Gustavo Machado e Marina Previato não se conheciam antes das gravações e Brant os instruiu a evitarem um contato maior antes das câmeras começarem a registrar as imagens. Apesar desta barreira imposta, o que vemos em cena é um casal com uma boa química, mesmo que mostrem dois pólos diferentes do amor.

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Gala, a videoartista, é inclinada a uma relação mais relaxada. Uma espécie de amor caótico, como podemos conferir na videoarte do desfecho do filme. Já Félix é adepto à entrega total à pessoa amada. Ele precisa se sentir querido para que a relação tenha uma saudável prosperidade. Entre conversas frívolas, discussões sobre a relação e pequenos trechos do trabalho de cada um dos personagens, temos um painel bastante interessante de um casal muito bem construído pelos atores que os defendem.

Se o conceito do filme acaba o traindo em alguns momentos, devido à falta de qualidade da imagem e da inaudibilidade de certos diálogos, por outro lado, é uma aprazível brisa de inventividade dentro do cinema brasileiro. Esta conversa íntima com a videoarte está cada vez mais em voga – basta ver a quantidade de artistas que estão ou são oriundos de faculdades de cinema, tanto que Beto Brant encerra seu longa-metragem com o trabalho que a personagem de Marina Previato veio realizando durante toda a duração do filme. O Amor Segundo B. Schianberg é isso. Diferente, inusitado e vouyerístico. Mais um bom trabalho para a lista de Beto Brant.