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Publicado por em fev 4, 2016 em Artigos, Críticas |

Madrepérola (2015), por Leonardo Bomfim

 

Dirigido por Deise Hauenstein, Madrepérola apresenta-se como um documentário sobre jovens mulheres que têm suas vidas afetadas pelas expectativas (dos outros e delas) diante dos padrões de beleza. O que costuma incomodar em filmes construídos a partir da montagem de entrevistas relacionadas a um grande tema, ainda mais com a limitação do tempo, é a famigerada “síndrome de Huguinho, Zezinho e Luisinho” (a definição é cortesia do crítico Sérgio Alpendre): ela surge quando a pluralidade dos depoimentos de diversas pessoas é espremida e unificada na tentativa de construir uma linha narrativa singular – geralmente baseada num interesse prévio do realizador. Em suma: filmes de escuta feitos por quem não quer ouvir.

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Em Madrepérola, as perguntas que ficam no ar parecem confirmar essa estrutura. Por exemplo: uma mulher que sempre foi gorda naturalmente tem uma vivência diferente de outra que engordou num determinado momento. Não sabemos muito bem quem está compartilhando aquelas narrativas. E sobram frases, pedaços de histórias. Mas é justamente na suposta traição de uma complexidade das personagens que a diretora consegue assumir uma identidade mais clara em seu filme: não interessa a investigação do tema ou a documentação profunda da experiência daquelas meninas, mas simplesmente reuni-las e torná-las mais fortes. É mais um filme-manifesto do que um documentário, algo já anunciado na imagem de abertura em que todas as garotas, incluindo a diretora (o que é bem sintomático), encaram os espectadores – do filme, mas também de uma televisão que exibe um comercial das Lojas Marisa.

Já que a ideia é construir um discurso contundente, que o objetivo seja bem definido. Certamente, alguma coisa da subjetividade precisará ser sacrificada para que o ponto final não abra margem para dúvidas. Se o início alterna entre o raivoso e melancólico, numa coleção de frases indignadas e relatos tristes, o desfecho é vibrante: aquelas meninas se sentem desejadas e gostam do próprio corpo. Os espectadores, naturalmente, são conduzidos à mesma conclusão.

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Ao aproximar os depoimentos ao tom do manifesto, portanto, Madrepérola cria essa orgulhosa criatura de sete cabeças. Parece sutil, mas é bem diferente da imposição de sete cabeças a uma mesma – e desorientada – criatura, algo que vemos em tantos documentários, inclusive no outro curta realizado pela mesma turma da Unisinos, De que Lado me Olhas, de Elena Sassi e Carolina de Azevedo, também sobre a violência dos padrões e outro destaque da programação de festivais brasileiros do último ano.