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Publicado por em mar 23, 2014 em Artigos |

Humor anárquico Vs. Minimalismo estéril (sobre Martín Sastre)

martin_sastrepor Cristian Verardi

Nunca me interessei por videoarte. É uma forma de expressão artística que sempre testou os limites de minha paciência. Por diversas vezes me dispus a mudar de opinião, e sempre caí em armadilhas tediosas e soporíferas ao me aventurar em mostras de cinema e bienais, que invariavelmente estavam infestadas de obras cometidas por artistas egocêntricos que pensavam ser o novo Marcel Duchamp. Sempre detestei o minimalismo estéril, a afetação estética e o experimentalismo hermético (do tipo que sacia apenas o ego do diretor) que fazem parte do universo da videoarte. Porém, foi por acaso que durante a mostra de cinema Beleza Imperfeita (ocorrida na Sala P.F Gastal da Usina do Gasômetro em julho deste ano), dedicada a filmes transgressores, que me deparei com o trabalho de um artista que me fez repensar as possibilidades da videoarte.

Martín Sastre, artista uruguaio radicado na Espanha, me surpreendeu com uma obra audiovisual recheada de humor ácido e ironias, que se utiliza de uma avalanche de referências ao universo pop para destruir/desconstruir mitos pré-estabelecidos pela modernidade. O humor talvez seja o grande diferencial de Sastre em contrapartida a outros artistas contemporâneos que abusam de um discurso neurastênico, e de um minimalismo que esgota a paciência do público. Não por acaso, uma das maiores vítimas do sarcasmo de Sastre é o americano Matthew Barney. Papa da “vídeoarte séria”, e ídolo dos moderninhos de plantão, a figura de Barney transforma-se em motivação cômica para Sastre, sendo vítima constante de sketches repletos de humor nonsense.

Em seus vídeos, Sastre assume o papel de um artista homônimo, e reinventa de forma satírica a sua carreira e a sua vida, e nem a própria videoarte escapa, sendo colocada em xeque de forma hilária. Uma série de curtas-metragens forma o que artista intitula de A Trilogia Ibero-americana (La Trilogía Iberoamericana). Os vídeos surpreendem tanto pelo humor como pelo inusitado teor político. Em Videoart: The Iberoamerican Legend, Sastre é descongelado no ano 2492 e narra para o público como a América do Sul tornou-se a maior potência mundial. Após o declínio de Hollywood, a América do Sul conseguiu o controle absoluto da ficção, realizando remakes (versão terceiro mundo) de clássicos do cinema americano. Em Montevideo: The Dark Side of the Pop, a trama se passa em 2092, em uma Montevidéu pós- apocalíptica, onde uma espiã surda-muda busca informações que possam revelar a genialidade do maior artista já conhecido na história da humanidade… Martín Sastre! Neste episódio ele utiliza a auto-ironia, e brinca com o ego dos artistas que fazem vídeoarte. Em Bolivia 3: Confederation Next, viajamos até 2876, onde a América do Sul, após uma violenta guerra pelo poder de manipular a ficção mundial, passa a se chamar Império Bolívia 3. Num trocadilho visual infame, Sastre, transformado em personagem de mangá, combate num duelo de espadas o terrível vilão Barney, no caso o artista Matthew Barney transformado em seu homônimo famoso, o dinossauro cor de rosa dos programas infantis.

Sastre realiza verdadeiras colchas de retalhos visuais, não hesitando em roubar cenas de filmes famosos, desenhos animados, propagandas, HQs e músicas, sacaneando principalmente o cinema norte americano. Na era do hipertexto, o artista usa e abusa da intertextualidade. O curta Diana: A Conspiração da Rosa é o melhor exemplo das obsessões pop do artista. Na trama, a princesa Diana não morreu no famigerado acidente, e vive tranquilamente numa favela de Montevidéu. Numa viagem temporal voltamos a 1997, onde um jovem grunge, obviamente chamado Martín Sastre, auxiliado por seu amigo alienígena (Alf, o ETeimoso), exorciza de si o espírito de Kurt Cobain e é recrutado por uma misteriosa confraria de freiras Jedi para auxiliar a ex-princesa de Gales a chafurdar na pobreza latino-americana. É impressionante a semelhança do sósia com a verdadeira Diana, fato que torna tudo ainda mais surreal. A década de 1990 é outra vítima constante do artista, que em determinada cena narra um pesadelo em que se vê preso eternamente neste período, praticando de forma obsessiva a coreografia brega de uma música techno, e para piorar, se vê casado com a cantora Bjork (não por acaso, esposa de Matthew Barney).

Utilizando o provocativo lema “adote um artista pobre”, o inquieto videomaker criou a Fundação Martín Sastre para Artistas Pobres da América Latina, organização empenhada em distribuir bolsas de estudo para artistas latino-americanos.

A obra de Sastre me provou que nem só de pedantismo e mau humor sobrevive a videoarte, porém, não foi o suficiente para aplacar a estranha sensação de que toda bienal é um campo minado.