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Publicado por em mar 23, 2014 em Artigos |

Fantasma Technicolor (Fantasma da Ópera, 1943)

fantasma_opera1943por Cristian Verardi

Originalmente publicado em 1911 pelo escritor francês Gaston Leroux, o tétrico romance O Fantasma da Ópera tornou-se um inesperado sucesso ao cativar o público com sua trama macabra e folhetinesca. O êxito literário fez com que a história fosse transposta para o cinema pela primeira vez em 1925, e a triste figura do músico virtuoso transformado numa figura grotesca e amargurada, que guiada por suas obsessões vaga pelos subterrâneos da Ópera de Paris em busca de vingança, acabou eternizada através da interpretação de Lon Chaney, também conhecido como O Homem das Mil Faces.

O Fantasma da Ópera, dirigido por Rupert Julian, tornou-se não apenas um ícone do cinema mudo, mas um dos mais influentes filmes de horror da história, e grande parte deste mérito se deve a marcante caracterização de Chaney.

Em 1943 o mundo estava mergulhado na Segunda Guerra Mundial, e a indústria cinematográfica também sentia os reflexos desta crise quando os produtores da Universal resolveram ressuscitar o seu antigo sucesso, afinal, com o advento do cinema falado e com as novas técnicas de coloração, poderiam realizar uma releitura sonora e em cores da obra de Leroux, fornecendo assim um espetáculo grandioso o suficiente para atrair o público, que neste período estava muito mais preocupado com as investidas de Hitler na Europa.

Para realizar a façanha a Universal contratou o polivalente diretor Arthur Lubin, e a fotografia, um elemento essencial nesta nova concepção da obra, ficou a cargo de Hal Mohr e Howard Greene, dois pioneiros na área dos filmes coloridos que optaram por investir no, então inovador, processo Technicolor. Para o elenco foram escaladas figuras populares da época, como o carismático cantor Nelson Eddy que possuía grande empatia com o público, portanto era o tipo de galã certo para as horas incertas, para viver Christine, a fonte das obsessões do Fantasma, a jovem atriz e cantora Susanna Foster, e por fim, para encarnar o anti-herói trágico Erique Claudin, o talentoso ator inglês Claude Rains, que anos antes havia interpretado outro ícone do cinema fantástico, o insano cientista de O Homem Invisível (1933).

O novo roteiro, escrito por Samuel Hoffenstein (Laura), mantinha basicamente a mesma trama da versão de Rupert Julian. Erique, um veterano violinista da Ópera de Paris, nutre uma estranha atração pela jovem cantora Christine, porém, suas atitudes beiram o patético e transparecem em atitudes paternais, Christine, por sua vez, só pensa em ter seu talento de soprano reconhecido, e divide suas intenções amorosas entre o barítono Anatole (Nelson Eddy) e o agente de polícia Raoul (Edgar Barrier). Ao descobrir que suas composições foram roubadas por outro músico, Erique perde o controle e se envolve em uma briga onde tem seu rosto desfigurado. Enlouquecido ele se refugia nos subterrâneos de Paris, e encobrindo o rosto com uma máscara, atormenta a famosa casa de óperas com sabotagens e assassinatos que visam promover a ascensão de Christine nos palcos.

Apesar do enredo não sofrer grandes inovações em comparação com o filme anterior, o deslumbramento com as possibilidades estéticas do Technicolor tornou-se uma faca de dois gumes. O filme ganhou uma colorido vibrante, típico do processo que caracterizava-se pela intensidade do brilho e do contraste, porém, a vivacidade das cores o tornou menos sombrio que a antiga versão em preto e branco. O atrapalhado triângulo amoroso envolvendo Christine, Anatole e Raoul, é utilizado como um recurso de alívio cômico, e também auxilia a amenizar o tom soturno da história. É no palco, nos momentos musicais, que o filme consegue equilibrar a técnica ao enredo, em momentos de pura fruição. Um deleite para os olhos e para os ouvidos. Curiosamente, devido aos altos impostos gerados pela guerra, para baratear a produção a Universal optou por utilizar apenas trechos de óperas que estivessem em domínio público. Outra curiosidade é referente à seqüência da queda do lustre. Em 1896, um militante anarquista sabotou o lustre da Ópera de Paris, que caiu tragicamente sobre a platéia; o evento inspirou Leroux a escrever a famigerada cena.

A interpretação de Rains, apesar de correta, inspirando simpatia pela trágica sina de seu personagem, ficou aquém do Fantasma incorporado por Chaney, que marcou época por inspirar um sentimento ainda mais primordial, o medo. Lon Chaney, com seu rosto horrendamente deformado e seus trejeitos alucinados, se fixou de tal maneira no imaginário popular que fica difícil, mesmo após tantas décadas e inúmeras refilmagens, desassociar sua imagem da vingativa figura do Fantasma da Ópera.

Em 1944, a Universal comemorou os frutos de seu investimento, conseguindo quatro indicações e arrebatando dois Oscars (melhor fotografia e melhor direção de arte). As cores vibrantes do Technicolor hipnotizaram as platéias, e amenizaram os dias cinzentos de guerra. O sistema de cores dominou o cinema por mais de vinte anos, e só foi substituído no começo dos anos 1960 pelo Eastmancolor, um processo menos mágico, porém, mais barato e lucrativo para os interesses dos verdadeiros fantasmas da indústria cinematográfica. Curiosamente, o último filme ocidental captado através do processo Technicolor, foi Suspiria (1977) de Dario Argento, que em 1998 realizou Um Vulto na Escuridão (Il fantasma dell’opera), uma desastrosa e dispensável versão da obra de Leroux.

O Fantasma da Ópera (Phantom of the Opera / E.U.A/1943)
Dir: Arthur Lubin
Com: Nelson Eddy, Susanna Foster, Claude Rains, Edgar Barrier