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Publicado por em mar 25, 2014 em Artigos |

Cidadão Boilesen

06Por Rodrigo de Oliveira

Cidadão Boilesen dirigido por Chaim Litewski e vencedor do Festival É Tudo Verdade em 2009, é um documentário que agrega mais um capítulo cinematográfico importante na história do cinema brasileiro. É salutar que cada vez mais cineastas voltem suas câmeras para este momento histórico traumático do país. Seja para entender o que aconteceu na época (e também relembrar estes fatos às gerações que viveram o período), seja para apresentar uma dura realidade às novas gerações e até mesmo assegurar que nunca mais seremos vítimas de tais atrocidades. O documentário traz informações interessantes – e novas – para quem nunca foi muito a fundo no período. Por isso é tão válido.

O diretor mostra em seu trabalho que a Ditadura não se manteve no poder sozinha. Não foi apenas um golpe militar, mas também civil. Diversos empresários ajudaram a financiar a máquina do governo, alguns por medo, outros por convicção. E, de acordo com o documentário, Boilesen ajudava por prazer. O dinamarquês veio ao Brasil ainda jovem, subiu aos poucos os degraus para o poder, e quando da ditadura militar, era o presidente da Ultragaz. Além de ajudar monetariamente a criação da OBAN (Operação Bandeirante), que investigava e punia os chamados ataques terroristas da época, Boilesen era visto nos lugares de tortura do DOI CODI. Diversos depoimentos dão como certo o seu desejo de estar presente nos momentos de tortura. Seu envolvimento com o golpe acabou lhe custando caro. O grupo rebelde MRT o executou em 15 de abril de 1971.

Através de depoimentos de figuras como Jarbas Passarinho, Celso Amorim, Dom Paulo Evaristo Arns, Coronel Brilhante Ulstra, Fernando Henrique Cardoso, e até do filho de Boilesen, Henning Boilesen Jr., Litewski compila um rico material sobre o período, conseguindo ser didático e, ao mesmo tempo, contundente em seus achados. A edição ajuda neste quesito. Quando algum depoimento inocenta Boilesen de quaisquer irregularidades, logo vemos mais três falando o contrário. É, afinal de contas, uma obra que tenta provar algo.

Dentre os depoimentos mais curiosos e interessantes, destacaria o de Henning Boilesen Jr., naturalmente defendendo seu pai das “acusações” feitas sobre sua conduta. Logicamente que para um filho, esta imagem do pai sádico é difícil de ser engolida. Para ele, Boilesen sempre será uma figura querida. Já para Carlos Eugênio da Paz, militante do movimento MRT, essa mesma pessoa será alguém que ele ajudou a executar. Hoje, professor de música, Carlos Eugênio explica como “a lista” foi compilada – lista esta que trazia três nomes de figurões que deveriam ser justiçados, dentre eles, com um asterisco ao lado, Henning Boilesen.

A condução da história do filme se dá sem tropeços, mesmo com o caminhão de informação que o cineasta tem para passar. É bem verdade que, em dado momento da narrativa, a figura de Boilesen é praticamente esquecida, para que Litewski tenha tempo de contextualizar o período para o espectador. Isso seria um problema, caso os depoimentos não fossem tão ricos. Através deles, temos um apanhado geral do que foi a Ditadura Militar, para logo depois descobrirmos mais e mais sobre o cidadão do título.

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Em outra manobra interessante, o cineasta pede emprestado do cinema algumas cenas para ilustrar seu documentário. Portanto, assistimos a diversos trechos de filmes sobre o período, como Lamarca (1994), de Sérgio Rezende, e Batismo de Sangue (2006), de Helvécio Ratton, longas-metragens da retomada, e Pra Frente Brasil (1982), de Roberto Faria, produzido em plena ditadura militar e que tentou contar uma história que ninguém teria como fazê-lo. O próprio Roberto Faria aparece no documentário comentando sobre sua ousadia.

A única coisa que destoa de todo o resto em Cidadão Boilesen é a trilha sonora realizada por Lucas Marcier e Rodrigo Marçal. Em diversos momentos, parecia que a música estava totalmente deslocada do filme, animada ou moderna demais para o assunto tratado. Não estou aqui defendendo uma trilha sisuda. Mas foi no mínimo estranho assistir a alguns depoimentos sérios com algumas músicas pouquíssimo inspiradas no fundo.

Se serve de consolo, esse é apenas um ponto negativo em um longa-metragem que traz à tona fatos que não são tão conhecidos do grande público. Um dos entrevistados, o coronel Erasmo Dias, afirma que está claro que não foi apenas Boilesen quem participou ativamente da ditadura militar. Ele é apenas o mais conhecido, visto que foi assassinado de forma brutal. Outros nomes poderiam ser divulgados. E serão, provavelmente, ao passar do tempo. Portanto, Cidadão Boilensen pode ser o pontapé inicial para uma enxurrada de outros documentários sobre o período. Infelizmente, toda a verdade é difícil de vir à tona já que os documentos sobre a ditadura militar continuam sob sigilo. Cortesia do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos entrevistados do filme, que dois dias antes de entregar o cargo, tratou de mantê-los fechados por um bom tempo. Imaginem só o que não vai sair desses papéis quando chegarem ao grande público?

Isso, claro, se um dia chegarem.